O passar do tempo revelou uma menina que, mesmo convivendo em um mundo real tão diferente daquele que aspirara para si, continuava a ter fé em Deus e a orar diariamente. Foi nesse contexto familiar permeado por questões financeiras prementes, mas repleto de fé e confiança em dias melhores, que ela foi crescendo e, entre as brincadeiras nos momentos de lazer com sua prima e companheira de estudos, a afetuosa Luciana, os sonhos povoavam sua mente e a imaginação continuava a fluir sem barreiras.

Viveu os primeiros anos de sua vida em uma singela casa de madeira construída no quintal da avó paterna, sendo que a avó morava na casa central e, de cada lado daquela, foram construídas casas menores para os pais de Priscila e os pais de Luciana, hábito comum entre famílias descendentes de estrangeiros, no caso em questão, de italianos desprovidos de recursos pecuniários, cujos parentes há muitas décadas tinham imigrado para o Brasil. Sua avó era muito dedicada às netas e, embora não tendo estudado muito, sempre se mostrou exigente com as questões educacionais. Quando Priscila e sua prima completaram sete anos e já estavam alfabetizadas, toda sexta-feira, antes do final da tarde, cumpriam um ritual: a avó tomava lição das duas meninas, momento em que deveriam ler em voz alta trechos de livros escolares. Ao término das leituras, era chegado o momento das duas escreverem cartas para os parentes, cartas essas ditadas pela avó que verificava a letra, observando se estava bonita e fazendo observações, pois não admitia letra feia.

Sempre querendo coisas que sua mãe não podia comprar, nossa heroína segue acalentando docemente seus anseios e fazendo planos. Um dia, fez um pedido para a mãe: queria um quadro verde Xalingo e uma caixa de gizes coloridos; não houve como escapar, insistiu tanto que a mãe, com medo de que ela ficasse doente, correu até a Loja Tinelli em Cianorte e comprou o sonhado quadro, pagando em “suaves” prestações mensais. Foi a maior alegria e a menina, que já gostava de escrever, ficava sempre às voltas com seu cobiçado quadro de giz.

Nos momentos das brincadeiras ao ar livre, Priscila sempre muito corajosa, participava daquelas que incluíam alguns riscos (mas não percebia o perigo), em contrapartida, sua prima era muito medrosa e achava melhor não se arriscar tanto. Com isso, Priscila liderava os folguedos, subindo nas árvores do quintal, pulando de uma árvore para outra, também apreciava brincar em parquinhos e seu brinquedo preferido era o balanço, que a levava às alturas; quando chovia, a alegria redobrava, ao pular poças de água que se multiplicavam no quintal de terra; ela não costumava andar, estava sempre a correr, para lá e para cá. Até que, para sua própria surpresa, num de seus momentos de maior inspiração, decidiu que iria voar: ato contínuo improvisou uma capa e voou de um local mais alto e foi diretamente para o chão. Teve sorte! Não se machucou. Mas a vontade de voar ganhou mais força e não parou por aí.

Além da prima, permanente companheira de estudos e brincadeiras, também participou de sua infância aquele que se tornaria seu fiel escudeiro: um gato, ao qual Priscila deu o nome de He-man, em homenagem ao personagem valente e destemido que vivia no imaginário Castelo de Greyskull. O desenho animado, famoso na década de 1980, era exibido por uma rede televisiva, diariamente ao meio-dia e as crianças adoravam.

A mãe pouco avançou nos estudos face às condições peculiares de sua família e nessa época era trabalhadora doméstica; seu pai que viria a falecer subitamente aos 33 anos de idade, trabalhava em uma empresa. Para sua filha ele cultivava um sonho: ela deveria estudar. Contudo, com o tempo, ele começou a distanciar-se da dinâmica familiar, desaparecia por longos períodos e retornava, tinha dificuldades para enfrentar as pressões e as provações impostas pela vida. Em seus contatos esporádicos com a filha, seu pai costumava dizer que gostaria muito de viver junto com elas, mas não tinha como manter a família uma vez que enfrentava problemas financeiros e existenciais e padecia intensamente com isso. A situação foi se arrastando por alguns anos e seus pais perceberam que não mais seria possível viverem juntos. Com apenas sete anos de idade Priscila presenciou a separação de seus pais, momento em que sofreu muito. Foi sua mãe, que já vinha mantendo a família, quem arregaçou de vez as mangas e continuou na luta pela própria sobrevivência e para criar uma filha. A menina, mesmo com todo o drama que grassava ao redor, na ingenuidade dos infantes, buscou refúgio nos estudos e leituras, tornando-se ótima aluna, dedicada e responsável.

Tão logo seus pais se separaram a avó materna de Priscila que na época já havia sido abandonada pelo marido e vivia na cidade de Sarandi, em companhia de sua outra filha ainda solteira, acolheu sua mãe, constituindo uma fonte de apoio num momento muito difícil em suas vidas.

A avó morava em uma garagem de madeira antiga, alugada e, nesse local sem conforto, passaram a conviver as quatro mulheres. O que se pode chamar de banheiro, era um ambiente insalubre e coletivo que ficava na área externa, tendo que ser lavado toda vez antes de ser utilizado. Sua mãe e a tia trabalhavam para garantir o sustento da pequena família e a avó executava as atividades laborais domésticas e cuidava da neta, levando-a para a escola, para brincar no parque infantil do bairro e para pequenos passeios. Costumeiramente fazia bolachinhas caseiras e pães, alimentos favoritos da neta.

Priscila sentia muito a ausência de sua prima e amiga, mas tinha certeza de que nos períodos de férias se reencontrariam. Ocupava seu tempo com estudos e brincadeiras, mas sem a mesma alegria de antes.

Priscila gostava de ir à escola, mas ansiava pelas férias escolares, de julho e janeiro quando, já no primeiro dia após o término das aulas, rumava para a casa da avó paterna para passar dias mágicos, no dizer dela. Sua avó a buscava de ônibus e a aventura já começava nesse momento.

Era a maior alegria, pois sua prima Luciana ainda morava na mesma casa, no quintal da avó e esta as tratava com carinho, tornando suas férias maravilhosas e divertidas.

Sentia saudades do He-man, seu gatinho e, quando retornava, contava para ele todas as peripécias que havia realizado prometendo um dia levá-lo para passar as férias na casa da avó em Cianorte. Esse dia nunca chegou, mas certamente o gato, ser inteligente, compreendia e ficava feliz ao receber tantos afagos e atenção quando sua dona retornava.

Um de seus tios tinha ido trabalhar e viver em Curitiba e, numa de suas visitas à família, compadeceu-se ao ver o local em que sua mãe vivia, mandando então construir uma pequena casa de alvenaria, no entanto conseguiu finalizar apenas o espaço interno para elas morarem com dignidade.

A mãe e a tia de Priscila se encarregaram de concluir a parte externa da casa, aos poucos, com as economias que conseguiam guardar de seus salários.

Na fase inicial da pré-adolescência, a situação financeira prosseguia difícil, mas um pouco melhor e, Priscila, tendo se transformado numa bonita mocinha, continuava querendo alguma roupa ou calçado e fazia insistentes pedidos para que sua mãe comprasse, mas a reposta era, invariavelmente, um não.

Como o maior problema, nesse momento, relacionava-se às roupas, praticamente impossíveis de serem adquiridas e a jovem, ansiando por vestir-se bem, deixava a mãe em polvorosa, já que esta não podia atender a quase nenhum dos desejos de sua única filha.

Como toda mãe, em geral busca saída para os impasses e faz o possível para dar o melhor para os filhos/as, com a sua não foi diferente.

Lançando mão de sua habilidade, resolveu ela mesma confeccionar vestidos, blusas e saias de crochê, pois as linhas ela tinha condições de comprar.

Priscila, de posse da coleção de roupas de crochê, sentia-se privilegiada e usava os modelos originais criados por sua mãe com o coração repleto de felicidade.

Sempre magnânima com seus sonhos, agora com roupas novas, secretamente alimentava o desejo de ter um quarto todo cor-de-rosa.

Aos doze anos, Priscila convenceu a mãe de que queria trabalhar e saiu em busca de seu primeiro emprego. Conseguiu vaga numa papelaria, onde comercializavam materiais escolares, etapa em que estudava de manhã e passou a trabalhar no turno da tarde, recebendo um valor simbólico no final do mês, 15 reais. Aqui, faço um recorte para relembrar que foi neste ano, 1994, que um abrangente plano de estabilização econômica foi lançado, no governo de Itamar Franco.

No primeiro semestre de 1994, foram implantadas as medidas que conseguiram estabilizar a economia de nosso país e colocar um fim na crise de hiperinflação que assolava o povo brasileiro desde a década de 1980. Surgia o Plano Real que vigora até hoje.

Mas aventura de trabalhar no comércio e aprender um ofício superava tudo. Ao ingressar na sétima série, pediu transferência para o período noturno, passando a trabalhar em período integral.

Como o pagamento já atingia meio salário-mínimo, Priscila colaborava nas despesas da casa e separava uma quantia para suas despesas pessoais: roupas, calçados, acessórios e guloseimas, pois sempre foi fã de doces, me confidenciou.

Nessa papelaria trabalhou durante quatro anos, quando então foi trabalhar em uma fábrica de confecções, aos 16 anos de idade.

A proprietária da referida fábrica era professora da disciplina de Língua Portuguesa no Colégio Jardim Panorama onde Priscila estudava, e por sinal, sua professora no Ensino Médio e que muito a influenciou na escolha de sua futura carreira, o magistério.

Sua alegria em poder trabalhar e estudar era contagiante e sua imaginação, outrora fértil, agora adquirira contornos mais realistas, contudo não deixava de fluir incessantemente e a manter Priscila concentrada em realizar o melhor que pudesse, tanto na atividade profissional como na acadêmica.

Acalentava o sonho de entrar na faculdade, cursar Letras e ser professora. Tinha decidido e pronto! Momento de continuar a seguir em frente, pavimentando sua estrada com coragem e perseverança, em busca da realização de seus ideais.

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