Por Daniel Bauer

Desde que fortes tempestades atingiram São Paulo na última sexta-feira (3), milhões de pessoas ficaram sem energia elétrica na capital paulista e em outros 23 municípios da região metropolitana, com interrupções causadas, principalmente, pela queda de árvores que romperam muitos cabos elétricos. Isso porque, hoje, a nossa infraestrutura de distribuição de energia é majoritariamente aérea. Segundo um levantamento recente feito pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), o Brasil conta hoje com apenas 0,4% de suas redes de distribuição de energia instaladas de maneira subterrânea. Afinal, por que contamos com uma porcentagem tão baixa de redes instaladas de maneira enterrada?

Já escrevo e comento sobre a necessidade de falarmos mais sobre redes subterrâneas de distribuição de energia há algum tempo, e o principal motivo de não avançarmos nessas discussões é que a sociedade já tem uma resposta pronta para a questão: as redes subterrâneas são muito caras e quem vai pagar essa conta são os brasileiros, que já arcam com tarifas altíssimas de energia elétrica. Quando temos uma resposta pronta para determinado problema, não discutimos as saídas para a sua resolução com eficiência.

Contrapondo este senso comum, a minha intenção é abrir esta discussão com a seguinte questão: quem já está pagando a conta por contarmos com redes de distribuição tão frágeis no Brasil? A Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (ABRADEE) nos conta que o Brasil enfrenta quase uma morte por dia com acidentes envolvendo o contato com redes aéreas de distribuição. No Brasil, lidamos ainda com cerca de 600 minutos de interrupção de energia por ano, sem contar com eventos como o que acometeu a cidade de São Paulo nos últimos dias. Na Alemanha, onde 80% das redes de distribuição são enterradas, este número é de 12 minutos por ano. Além disso, a produtividade da Alemanha é de três a cinco vezes maior do que a nossa.

Já vi e ouvi muitos profissionais dizendo que as redes subterrâneas são 10 ou até 20 vezes mais caras do que as redes aéreas de distribuição de energia. Mas quando falamos que enterrar redes é mais caro, estamos comparando quais tipos de configurações de sistemas de distribuição? Será que não estamos comparando os custos relativos às piores configurações de redes aéreas com as melhores configurações de redes subterrâneas?

Para se projetar uma rede de distribuição de energia, precisamos entender alguns critérios como a confiabilidade requerida, a carga que esta rede está atendendo, qual é o arranjo elétrico previsto ou onde este projeto está sendo executado (em uma zona rural, urbana, em pequenas ou grandes cidades), entre outros pontos. Em tantos anos trabalhando no setor elétrico brasileiro, presenciei poucos estudos que tratam sobre este tema de maneira séria e tecnicamente embasada. Normalmente, este tipo de comparação utiliza uma base modular, ou seja, aquela “Aspirina” que cura tudo, inclusive o câncer. Definitivamente, este tipo de discussão não é séria e não foca em resolver um problema a médio e longo prazo, mas apenas em colocar um ponto final em algo que pode ser melhorado em nosso país, principalmente em se tratando da transição energética que estamos vivenciando.

Obviamente, redes subterrâneas pressupõem um investimento maior em comparação com as redes aéreas. Mas o que não consideramos é o quanto de valor que redes mais confiáveis e seguras podem acrescentar para a nossa sociedade, e como podemos nos articular para baixar o custo de implementação delas. Alternativas não faltam. Uma delas seria contar com o apoio da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e do Ministério Público para criar padrões de redes de distribuição com diferentes níveis de confiabilidade e, a partir desta padronização, dar mais escala para a conversão das nossas redes de distribuição, algo que pode impactar fortemente na redução dos custos associados aos materiais, mão de obra e serviços relativos a este tipo de infraestrutura, contando com o apoio do governo para a desoneração de impostos relativos a estes itens.

Cabe ressaltar que não estamos falando aqui sobre mudanças de curto prazo. As concessionárias brasileiras poderiam, por exemplo, estabelecer planos decenais de enterramento baseados em critérios técnicos como a priorização das redes que operam com maiores índices de acidentes, passando também pelas localidades com maiores densidades de carga por quilômetro. Como sociedade, acredito fortemente que conseguimos encaminhar este problema de maneira adequada para que, em um futuro próximo, possamos contar com redes de distribuição mais confiáveis, mais seguras e menos mortais.

*Daniel Bento possui mais de 30 anos de experiência com redes subterrâneas de energia. Foi responsável técnico pelo sistema subterrâneo da cidade de São Paulo (pela antiga AES ELETROPAULO). É engenheiro eletricista por formação, possui MBA em finanças e é certificado como Project Management Professional (PMP). Em 2022 e este ano, foi eleito como uma das 100 pessoas mais influentes do setor elétrico brasileiro pela revista Full Energy.

Há quase 10 anos atua como correspondente internacional representando o Brasil em dois grupos de trabalho sobre cabos isolados do CIGRE além de ser membro do IEEE (Institute of Electrical and Electronic Engineers). Assina uma coluna há 7 anos na Revista O Setor Elétrico, onde escreve sobre redes subterrâneas de energia, e é autor de dois livros: “Redes de média tensão em usinas eólicas e solares – projeto e gestão de redes subterrâneas para fontes renováveis” e “Sistema elétrico de potência”, além de palestrante em eventos consolidados do setor, como o CINASE, T&D Energy e Redes Subterrâneas. É diretor Executivo da BAUR do Brasil, uma joint venture entre as empresas RDS Brasil e a austríaca BAUR GmbH.

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