20 de maio de 2024

Jovens kayapó fazem elo da ancestralidade com modernidade cultural

Exposição fica em cartaz até 26 de novembro, em Niterói

Além de ser responsável pela curadoria da exposição Mekukradjá Obikàrà: com os pés em dois mundos, o coletivo Beture – movimento dos Mekarõ opodjwyj, composto por cineastas e comunicadores indígenas Mẽbêngôkre-Kayapó – produziu o material da mostra, que faz o elo entre a ancestralidade e indígenas mais jovens desta etnia. A exposição – aberta no sábado (28), no mezanino do Museu de Arte Contemporânea (MAC), em Niterói, no estado do Rio – segue até o dia 26 de novembro.

Beture é o nome de uma formiga de cabeça vermelha e a traseira preta, encontrada no território Kayapó, cuja característica é uma mordida bastante potente. Ela tem as mesmas cores usadas pelos indígenas da etnia quando se pintam para a guerra.

“A juventude Mẽbêngôkre-Kayapó deseja registrar a vida e a cultura de seu povo por meio de tecnologias audiovisuais e diversas mídias. Hoje, o coletivo desempenha um papel fundamental na conquista de reconhecimento cultural, assim como na visibilidade das estruturas políticas”, informaram os organizadores da mostra.

Audiovisuais

Desde 2015, quando surgiu, o Beture contribui para organizar e estruturar um movimento da juventude que vem se espalhando por muitas comunidades indígenas. Desde então, formações audiovisuais têm sido realizadas para potencializar as produções do coletivo e ofertar aos cineastas mais conhecimento sobre as técnicas de captação de imagens, de roteirização e edição.

O material da exposição com fotos e vídeos do acervo do coletivo foi obtido pelos cineastas kayapó em viagens por algumas aldeias e retrata a transformação da cultura do povo Mebêngôkre-Kayapó, que habita seis terras indígenas no sul do Pará e no norte de Mato Grosso. A mostra tem ainda três telas pintadas por 15 mulheres Kayapó durante o Acampamento Terra Livre (ATL) de 2023, que ocorreu entre 24 e 28 de abril, em Brasília.

“As histórias a gente juntou na parte de vídeos como os nossos avós foram antigamente e não estão mais presentes e, com isso, nós jovens estamos com o objetivo de trazer isso, reviver [a cultura] e fortalecer mais ainda”, contou a kayapó Kokokaroti Txukahamãe Metuktere, em entrevista à Agência Brasil e à TV Brasil.

Niterói (RJ), 27/10/2023 – A comunicadora e integrante do Coletivo Beture, Kokokaroti Txucahamãe Metuktire durante visita à exposição Mekukradjá Obikàrà: com os pés em dois mundos, no Museu de Arte Contemporânea (MAC), em Niterói. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
A comunicadora e integrante do Coletivo Beture, Kokokaroti Txucahamãe Metuktire durante visita à exposição Mekukradjá Obikàrà: com os pés em dois mundos, no Museu de Arte Contemporânea (MAC), em Niterói. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasi

Por causa dos estudos, a jovem kayapó, de 22 anos, que integra o coletivo, passou a viver fora da Aldeia Capoto na Reserva Capoto-jarina e foi morar em Colniza, uma cidade próxima em Mato Grosso. Ela disse que, mesmo fora do local de origem, é possível manter as tradições culturais.

“Muitas vezes pode ter um jovem que se pergunta se vai perder a sua cultura, só que não. Você pode preservar a cultura usando o conhecimento indígena”, observou, acrescentando que já tem algumas formações, mas pretende fazer universidade, mais especificamente, curso de cinema.

Por meio do trabalho de pesquisa para a exposição, Kokokaroti pôde ver pela primeira vez a imagem do avô.

“Esse momento que estamos tendo aqui nessa exposição, a gente buscou, correu atrás de cada das imagens e, principalmente, eu vi uma foto do meu avô, que eu não tive oportunidade de conhecer, nem a luta dele. A gente encontrou as imagens de cada liderança, todas tiveram vozes importantes naquela época. A gente conheceu umas culturas, tipo danças tradicionais que aconteciam naquela época e não acontecem mais. Com esse objetivo, eu quero buscar conhecimento sobre cinema”, explicou.

Machismo

A jovem destacou ainda a presença das mulheres entre os kayapó. Segundo Kokokaroti, atualmente elas têm atuado de forma conjunta e isso ajuda a combater o machismo nas comunidades.

“É uma coisa muito importante ter a presença da mulher dentro dos espaços, porque existe muito machismo que a gente enfrenta e agora estamos nos juntando mais para ocupar espaço, fortalecendo [as mulheres] dentro da comunidade da aldeia e nos estudos”, observou.

Para Kokokaroti Txukahamãe Metuktere, os cantos tradicionais que vê dos antepassados e os cortes de cabelos das mulheres e dos homens são as representações que mais caracterizam a cultura kayapó. “[Isso] é iniciado pelos nossos antepassados e nossos avós. É um símbolo nosso mesmo e o corte tradicional da mulher, que o homem também pode fazer”, afirmou.

Profissionalização

Como forma de garantir uma fonte alternativa de renda para o povo Mẽbêngôkre-Kayapó, os Mekarõ opodjwyj buscam um caminho profissionalizante. Na área política, atuam para gerar a possibilidade de jovens lideranças participarem de mobilizações políticas e ainda nas trocas de conhecimento com outros povos.

O audiovisual se transformou em um instrumento potente dos Mẽbêngôkre-Kayapó para o fortalecimento cultural dos próprios registros sobre a vida, atividades cerimoniais e cotidianas.

A produção do Beture é de cerca de 30 filmes por ano, que costumam tratar do metoro, que são as festas de nominação, os eventos políticos e alguns filmes de ficção representando as narrativas da origem da mitologia Mẽbêngôkre-Kayapó, principalmente transmitida pelos mais velhos.

Os filmes são exibidos nas comunidades e são muito bem recebidos nas aldeias Mẽbêngôkre-Kayapó, mas junto a outros públicos em níveis regional, nacional e internacional também têm acesso.

Crédito da foto: Tamaz Silva/Agência Brasil