Oficiais ouvidos pela reportagem dizem que Bolsonaro perdeu apoio entre os militares após demissão de comando das Forças Armadas e está longe de poder falar em “meu Exército”

Rompido com o presidente Jair Bolsonaro desde que a gestão da pandemia se revelou um desastre, o general Paulo Chagas – ex-candidato ao governo do Distrito Federal em dobradinha com o então candidato Bolsonaro – avalia a crise militar com a lembrança de um episódio que explica a incursão do militarismo pela política nos últimos 60 anos. “A atitude de Bolsonaro lembra o Jânio Quadros”, disse Chagas, se referindo ao ex-presidente que, em 1961, renunciou na expectativa de gerar comoção para voltar ao poder pelos braços do povo. A renúncia abriu caminho para o golpe, dois anos depois. “A história não se repetirá porque os sinais estão trocados”, acrescenta.

Resguardadas as proporções históricas, segundo oficiais da reserva ouvidos pela reportagem, o Bolsonaro que emerge da crise, gerada por ele mesmo ao tentar envolver o Exército na busca de apoio para decretar um estado de sítio que também visava o controle das PMs, perdeu o apoio do alto oficialato militar, se viu forçado a mergulhar no toma lá dá cá da política nos braços do Centrão e colocou-se ao alcance de um provável processo de impeachment no Congresso.  Como Jânio, segundo Chagas, Bolsonaro errou o tiro e acertou o próprio pé.

“Ele blefa”, resumiu à Pública o general Carlos Alberto Santos Cruz (foto) ex-ministro da Secretaria Geral de Governo, outro aliado de primeira hora que virou desafeto. “É zero a chance de os comandos militares se guiarem pela cabeça de outro ou de interesses fora da Constituição. Não tem furo nessa tela. As Forças Armadas são muito bem comandadas, tudo gente de primeira linha. Pode colocar lá quem quiser”, afirmou o general, descartando qualquer possibilidade de apoio militar às intenções golpistas.

Ânimos calmos depois da confusão, Santos Cruz garante que os novos comandantes militares manterão fidelidade à Constituição, rechaçando, como os anteriores, eventuais apelos do presidente para que respaldem medidas de exceção. O general acha que Bolsonaro deveria vir a público e explicar as mudanças que, segundo ele, podem ser normais em cargos políticos – como a demissão do ex-ministro Fernando Azevedo e Silva, da Defesa – mas fogem do padrão quando envolvem interferência nos comandos da tropa.

 

“Não tem explicação. Os comandos são operacionais e não políticos. Não tinha crise nenhuma. Acho que ele deveria explicar à população o que houve e porque demitiu o ministro. Não usou a comunicação do governo para falar e nem deu uma informação oficial. As pessoas ficam confusas, trabalhando com suposições”, disse o ex-ministro.

Nesta quinta-feira, em sua tradicional live pelas redes sociais, o presidente elogiou o novo ministro da Defesa, Walter Braga Netto como novo ministro da Defesa, negou que tenha politizado a pasta, mas foi lacônico e enigmático ao tratar da crise. “Só nós aqui sabemos o motivo, basicamente, disso tudo. Morre aqui. Não tenho que discutir nada”, afirmou o presidente.

Para Santos Cruz, a crise militar desviou o foco das questões centrais. “Há problemas sérios no país, como a pandemia, um desgaste na economia, que precisam de mais atenção do governo”, afirmou o ex-ministro. Santos Cruz acha que o ideal para um enfrentamento mais objetivo ao coronavírus seria que não houvesse mais solavancos políticos e que o presidente governasse até o final do mandato para o qual foi eleito. Ele se diz preocupado com os riscos do fanatismo descambar para violência e com a ameaça de politização nos quartéis, mas não faz previsões sobre o destino de Bolsonaro. “É um governo de difícil previsão. O certo é que terminasse o mandato. Se cometer erros o Congresso tem os mecanismos para avaliar se é o caso de impeachment”.

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