Uma guerra contra o Brasil
Como a Lava Jato agrediu a soberania nacional, enfraqueceu a indústria pesada brasileira e tentou destruir o grupo Odebrecht
Por Fernando Morais
Para os nascidos nos anos 1940, como é o caso do empresário Emilio Odebrecht, autor deste livro, a derrubada da presidente Dilma Rousseff não deveria causar espanto. Afinal, pelos olhos dessa geração passaram rastros do Estado Novo, massas chorando nas ruas pelo suicídio de Vargas, a Novembrada de Lott, os abortados golpes de Aragarças e Jacareacanga contra JK, a renúncia de Jânio, o golpe de 1964 e o autogolpe embutido no AI-5. O oposto de uma tradicional quartelada, o golpe de 2016 foi um soft putsch sem tiros, tanques nas ruas ou porões de torturas.
O que havia de excepcional, e que abalaria profundamente os laços familiares do autor e praticamente destruiria sua empresa – à época a maior do Brasil na área de construção pesada – é que dessa vez a polícia bateu na casa dos Odebrecht e levou presos o jovem presidente e herdeiro do império, Marcelo, e vários outros dirigentes da construtora. A segunda consequência da Operação Lava Jato foi escancarar a estrangeiros o mercado mundial da construção pesada até então dominado por brasileiros.
Como num filme, o autor abre e fecha Uma guerra contra o Brasil desnudando a Lava Jato e seus autodeclarados propósitos de acabar com a corrupção no país. Apoiada em setores do Poder Judiciário, da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e dos principais meios de comunicação brasileiros, a operação converteu seus dois líderes, o juiz federal Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, em heróis nacionais.
Mas esperteza quando é demais, diz a sábia voz do povo, vira bicho e come o dono. Quis o destino que um anônimo hacker desmascarasse a Operação e todos os responsáveis por ela. O volume de tramoias da “República de Curitiba” era tão escandaloso que o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, não viu alternativa senão tornar nulo todo o processo. Meses depois o ministro Gilmar Mendes decretaria a suspeição de Sergio Moro.
Uma guerra contra o Brasil não é apenas a exposição das fraturas familiares e afetivas que Moro e seus apóstolos impuseram à família Odebrecht. Passados sete anos, não restam dúvidas de que a Lava Jato, parte integrante do golpe de 2016, foi concebida para inabilitar a candidatura de Lula, eleger Bolsonaro e destruir a outrora poderosa indústria da construção pesada, abrindo caminho para suas concorrentes estrangeiras. Ao final da leitura deste livro, tem-se a convicção de que, indeléveis, essas marcas permanecerão eternamente como tatuagens na mofina biografia do ex-juiz e nas de seus procuradores.
Fernando Morais / Jornalista e escritor