O movimento Viva Água, que atua na bacia hidrográfica do Rio Miringuava, no Paraná, promove ações para aumentar a qualidade do solo por meio de técnicas de conservação e manejo
Fatores essenciais para a manutenção da vida na Terra dependem de um solo bem conservado. Entre eles estão água potável, produção de alimentos, regulação do clima, equilíbrio dos biomas e conservação da biodiversidade. Mesmo assim, muitas áreas encontram-se degradadas no Brasil, seja em função do uso inadequado pela agropecuária ou pela ocupação urbana desordenada, gerando perda de produtividade e contribuindo para que mais sedimentos e poluentes cheguem aos rios que abastecem as cidades.
Para fazer frente ao desafio de melhorar a qualidade do solo e ampliar a disponibilidade hídrica na região de São José dos Pinhais (PR), o movimento Viva Água, que atua desde 2019 na bacia do Rio Miringuava, estimula produtores locais a adotarem um conjunto de técnicas agrícolas sustentáveis para o manejo correto de terras cultiváveis, a fim de evitar o carreamento de sedimentos para o rio, reduzir o uso de agroquímicos, otimizar a irrigação, entre outros.
“Incentivamos a adoção de boas práticas em propriedades rurais localizadas em áreas estratégicas da bacia do Rio Miringuava. Entre as técnicas sugeridas estão o aumento da cobertura vegetal nativa nas propriedades, a redução do uso de agroquímicos, a implementação de agroflorestas e o estímulo ao turismo rural responsável de base comunitária”, explica Anke Manuela Salzmann, gerente de Projetos da Fundação Grupo Boticário, instituição idealizadora do movimento Viva Água.
A Bacia do Rio Miringuava fornece água para meio milhão de pessoas na Grande Curitiba, além de abastecer negócios e produtores rurais da região. “Nossa meta é fomentar a produção agrícola sustentável em 500 hectares até 2030. Outras frentes do movimento visam alavancar o turismo responsável na região e apoiar e fortalecer 30 negócios sustentáveis nos próximos sete anos”, conta a gerente.
Anke explica ainda que áreas com solo permeável e de boa qualidade contribuem para que a água fique retida e seja liberada gradativamente aos rios e lençóis freáticos, minimizando os impactos de secas em períodos de estiagem. “Como o solo permeável funciona como uma esponja, retendo a água durante os períodos de chuva, evita também enchentes e alagamentos”, explica.
São José dos Pinhais é o maior fornecedor de hortifrutigranjeiros da Ceasa de Curitiba, entre todos os 29 municípios da Região Metropolitana. O volume de produção e a renda gerada pela atividade agrícola vêm crescendo: entre os anos de 2011 e 2019 (últimos dados disponíveis) a produção cresceu 38% e a renda subiu cerca de 70%. De acordo com levantamento da Secretaria da Agricultura e do Abastecimento do Estado do Paraná, aproximadamente 70% da produção agrícola do município de São José dos Pinhais concentram-se na bacia do Rio Miringuava, com destaque para a produção de hortaliças como repolho, batata-doce, acelga, agrião, brócolis e couve-flor. Além disso, o município apresenta o segundo maior PIB do Paraná.
Ações de referência para um solo saudável
O movimento Viva Água, em parceria com o Instituto de Desenvolvimento Rural (IDR) do Paraná, identificou seis propriedades rurais com ações de referência para o uso e conservação do solo na região do Miringuava. Por meio de capacitações e intercâmbios entre os proprietários rurais, o objetivo é dar visibilidade a essas iniciativas, incentivando a adoção das boas práticas entre outros proprietários rurais da bacia.
Sistema de irrigação inteligente e turismo rural de colhe e pague de morangos
A Adriane Leschnhak, proprietária do sítio La Choupana, produz morango na região há 22 anos. Em 2021, implantou na propriedade, a partir de uma ação do IDR-PR, um sistema de manejo para aumentar a eficiência no uso da água. Desenvolvido por uma startup de Curitiba, o mecanismo fornece informação, por meio de sensores conectados a um aplicativo, sobre a necessidade de irrigação, a partir da umidade do solo. Isso evita a necessidade de ligar o sistema por gotejamento em períodos mais úmidos, reduzindo o consumo de água. Antes disso, a irrigação era feita por um “timer” que acionava o sistema em quatro horários fixos do dia. A ferramenta inteligente apresentou uma redução de 20% no consumo de água e de energia, pois torna a irrigação mais assertiva, chegando exatamente no momento em que a planta mais necessita. Isso também contribui para a manutenção da qualidade das plantas e maior doçura do morango. O sítio é um espaço aberto para a visitação, com degustação de morango a partir da lógica “colhe e pague”, espaço para piquenique e um campo de girassóis (sazonal).
Biofábrica para controle de pragas
No Rancho Caminho das Águas, propriedade da Alexandra Leschnhak, o movimento Viva Água instalou, a partir de uma parceria com o Sebrae/PR, uma biofábrica onde são desenvolvidos produtos naturais para controle de pragas na agricultura a partir de fungos e bactérias. Ela usa os produtos para garantir sua produção orgânica de hortifruti. Ao eliminar o uso de agroquímicos, a prática evita também que resíduos tóxicos cheguem ao Rio Miringuava. A propriedade conta ainda com uma experiência com “cordões vegetais”, importantes para evitar a erosão do solo, reduzindo os sedimentos que podem chegar aos rios. Isso também traz benefícios para a qualidade da água na região. Alexandra também oferece atividades de turismo rural, inclusive para escolas.
Pequena produção orgânica com valor agregado
Maísa Valoski é produtora rural orgânica da Colônia Murici. É exemplo de liderança para a articulação de outros produtores na bacia do Miringuava. Consciente sobre a importância da preservação e o cuidado com a água e o solo. Trata-se de uma propriedade pequena, mas bem produtiva, com projeto em andamento para instalação de agroindústria para agregar valor aos produtos.
Restauração ecológica e Pagamento por Serviços Ambientais
A propriedade de Adiel Araujo recebeu o plantio de 2.316 mudas de espécies da Mata Atlântica no início deste ano – ação promovida pelo Viva Água. Ele preserva a natureza pensando em deixar um legado para a região. Na sua propriedade, a restauração incluiu espécies que favorecem a produção de mel. Além disso, a ação tem a intenção de formar um corredor ecológico para a manutenção e proteção da biodiversidade da região. Adiel possui um meliponário, onde produz mel a partir de abelhas nativas (abelhas sem ferrão). As abelhas são responsáveis pela polinização de 40% a 90% das espécies da Floresta Atlântica.
A propriedade de Adiel foi uma das 16 que entraram no primeiro ciclo de premiação do Programa de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), com uma área de 6,8 hectares de floresta. Essa é uma ação da Prefeitura de São José dos Pinhais, SEDEST e Sanepar, que premia financeiramente propriedades com boas áreas de floresta natural conservada e contribuem para a segurança hídrica da bacia do Rio Miringuava. O recurso disponível para a premiação é de R$ 1,5 milhão, em três ciclos. A metodologia usada para calcular o prêmio financeiro que cada propriedade selecionada receberá baseia-se na Tábua de Valoração Oásis, desenvolvida pela Fundação Grupo Boticário e serve de referência para ações de PSA em todo o Brasil.
Produção agrícola sustentável e agrofloresta
A propriedade da Luciane Zielinski recebeu, dentro do movimento Viva Água, o primeiro projeto-piloto de restauração ecológica na região do Miringuava. A partir de uma ação do IDR-PR, foi uma das pioneiras na bacia em relação à adoção de práticas de produção sustentável com redução no uso de adubos e significativa redução da erosão, que diminui a produção de sedimentos que chegam ao Rio Miringuava. Trabalha com o Sistema de Produção Direta de Hortaliças (SPDH), técnica de plantio direto que deixa o solo sempre coberto, trazendo os seguintes benefícios:
- Redução a zero da erosão;
- Redução do uso de agroquímicos;
- Plantas mais saudáveis por reduzir respingos de partículas de solo na planta quando gotas de chuva caem ao solo;
- Cobertura do solo – evita a perda de água por evaporação, reduzindo a necessidade de irrigação entre 30% e 40%;
- Menor mortalidade – na prática agrícola convencional são colhidos aproximadamente 75% do total de mudas plantadas. No SPDH, esse valor é de 90% a 95%, ou seja, a mortalidade das mudas é bem menor;
- Maior produtividade – na técnica do SPDH, os produtos também tendem a ser bem maiores do que aqueles colhidos na agricultura convencional;
- Produto mais limpo – sem o barro nas plantações, o produto sai mais limpo da terra e não precisa ser lavado para a comercialização, gerando economia de água também nesta fase.
Ecopousada
Sônia de Paula, proprietária da Estância Carmelo – Eco Pousada, tem um olhar bem atento às pessoas que estão no entorno, pensando no desenvolvimento sustentável. Destinou uma área de sua propriedade para a restauração florestal com o objetivo de implantar uma agrofloresta, com mudas de araucária e espécies frutíferas da Floresta Atlântica. Trabalha com turismo ecológico e sabe que precisa da natureza conservada para garantir a qualidade de vida na região.