Requalificar imóveis nas áreas centrais das grandes cidades é fundamental em cenário de mudanças climáticas
Ressignificar essas áreas é necessário para conter o fenômeno de concentração da moradias nas áreas periféricas, sensíveis em termos ambientais e mais sujeitas aos riscos climáticos, segundo a Ramboll
A aceleração das mudanças climáticas traz um novo desafio para os governos no que se refere ao planejamento das cidades: a necessidade de requalificação das áreas centrais dos grandes centros urbanos, abrindo novas possibilidades de moradia para a população que hoje vive em áreas periféricas e mais sujeitas aos riscos de desastres ambientais. A recomendação é da Ramboll, consultoria multinacional especializada em engenharia e projetos multidisciplinares, que vem trabalhando em dois projetos de requalificação de imóveis em áreas centrais, nas cidades do Rio de Janeiro (RJ) e Vitória (ES).
“Uma rápida radiografia das condições de desenvolvimento urbano metropolitano nas últimas décadas tem mostrado uma face de espoliação, com crescimento urbano concentrado na forma de favelas e loteamento clandestinos sobre áreas inadequadas prestadoras de serviços ambientais nas áreas periféricas”, observa Alejandra Devecchi, gerente de Planejamento Urbano da Ramboll.
Ao longo das décadas, por falta de acesso às áreas com infraestrutura consolidada nas áreas centrais, a população se instalou ao longo de áreas periféricas e sensíveis ao meio ambiente como encostas, e áreas de mananciais, e próximas a nascentes de rios e córregos, locais com pouca ou nenhuma infraestrutura de saneamento básico e sujeitos a deslizamentos e inundações.
“Verifica-se uma tendência perversa de espraiamento da mancha urbana com avanço sobre áreas prestadoras de serviços ambientais, como mananciais, unidades de conservação e cabeceiras de rios”, afirma Alejandra, ao acrescentar que esse fenômeno impacta tanto a segurança da população quanto o meio ambiente.
Observando-se as formas de expansão da região Metropolitana de São Paulo nos últimos 40 anos, constata-se, por exemplo, entre 1990 e 2010, que 13,79% do incremento da mancha urbana ocorreu sobre Áreas de Proteção aos Mananciais, o equivalente a 100 km², enquanto outros 11,79 km² de expansão urbana aconteceram sobre áreas de alta declividade (> 30%).
Por outro lado, a taxa de crescimento demográfico anual não passava de 1,61 %. Esta disparidade provocou a diminuição consecutiva da densidade demográfica média bruta de 144,07 hab/ha em 1990 para 101,70 hab/ha em 2010. “Este mesmo processo de desadensamento está presente em várias metrópoles brasileiras”, ressalta Alejandra.
Uma das consequências desse cenário é a dissociação espacial da localização dos empregos versus local de moradia. Por exemplo, a Região Metropolitana de São Paulo, apresenta hoje uma significativa concentração de empregos na área delimitada pelos rios Tietê, Pinheiros e Tamanduateí, onde verifica-se em alguns locais até 7 empregos por habitante, enquanto na maior parte da cidade esta relação é inferior a 0,46. Ou seja, o chamado centro expandido de São Paulo concentra 67% dos empregos da cidade, mas somente 17% da população mora na região. Esta é uma situação que se repete em todas as grandes metrópoles terciárias.
Na avaliação da especialista da Ramboll, é preciso olhar para o papel dos grandes centros e como determinadas áreas podem ser requalificadas a fim de se tornarem uma alternativa de moradia para uma parcela da população que atualmente vive nessas áreas periféricas. “Hoje 83% da população das grandes cidades brasileiras está nas periferias, enquanto a estrutura de emprego, com foco em serviços, está nas regiões centrais”, ressalta Alejandra, ao observar que “a ocupação dos centros urbanos está relacionada a cidades resilientes, e é fundamental para reduzir os riscos do impacto das mudanças climáticas”.
“Se considerarmos a densidade demográfica média das principais metrópoles brasileiras, veremos que nos últimos 40 anos houve um processo de desconcentração significativo de moradia das regiões centrais, com o êxodo dessas pessoas para a periferia das cidades, em áreas frágeis ambientalmente”, diz Alejandra.
Para que os centros das cidades voltem a atrair moradores, a especialista em planejamento urbano da Ramboll avalia que, além de um projeto de requalificação de imóveis hoje sem uso, é necessária a criação de ofertas de moradia que possam ser acessíveis às diversas faixas de renda. “Infelizmente, a maioria das ofertas de imóveis próximos aos centros das cidades têm como alvo a média e a alta renda. Geralmente, esse público não tem interesse verdadeiro em morar no centro, e essas ofertas acabam se tornando mais interessantes para investimento do que para moradia”, observa Alejandra.
Ela salienta que, por outro lado, o investimento em infraestrutura básica nas periferias muitas vezes é realizado sem levar em conta o fato de serem áreas ambientais mais frágeis ou ainda a questão do transporte, ao passo que o próprio centro das cidades já possui esta infraestrutura instalada. “Basta que imóveis centrais sem uso, que hoje encontram-se inclusive em estado de degradação, sejam requalificados e readequados para que pessoas das mais diversas faixas de renda possam comprá-los ou alugá-los”, analisa Alejandra.
Empregos estão nos centros, trabalhadores nas periferias
Outra questão crítica no processo de concentração da moradia em áreas periféricas é que, quanto mais longe moram os trabalhadores, maior o deslocamento diário no transporte público ou privado, que gera mais emissões e contribui para as condições climáticas.
Além disso, os centros urbanos concentram vantagens locacionais, como estações de metrô, trem, VLT, terminais de ônibus e rodoviárias. Por exemplo, no centro do Rio de Janeiro, onde a Ramboll desenvolve um projeto de requalificação urbana, há 23 estações de transporte público somente na área do porto. “Em nenhum lugar do mundo há uma área com tantas vantagens relacionadas ao transporte público”, observa a gerente de Planejamento Urbano da Ramboll.
A região administrativa do centro do Rio de Janeiro concentra cerca de 1 milhão de empregos, mas tem apenas 40 mil habitantes. “Se a população migrar das periferias para os centros, estarão mais próximos dos empregos e terão que se deslocar menos no trajeto entre o emprego e a residência, reduzindo, dessa forma, as emissões de carbono provenientes dos transportes públicos e privados, inclusive com a possibilidade de caminhar ou ir ao trabalho de bicicleta”, afirma Alejandra.
A discussão sobre cidades resilientes, com redução das emissões dos gases de efeito estufa e adaptação da população aos riscos climáticos de inundação e deslizamento, deve estar inserida num processo sistemático de incentivo à ocupação das áreas centrais de modo a permitir que moradores de média e baixa renda possam pagar para viver próximos das regiões onde trabalham.
Sobre a RAMBOLL
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