Queda de investimentos e cortes na educação brasileira comprometem resultados do Plano Nacional de Educação
Relatório da Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala denuncia as consequências da falta de investimentos públicos para o setor, desde a aprovação do teto de gastos em 2014
O Plano Nacional de Educação (PNE) tem vigência até junho de 2024 e, apesar do pouco tempo para o término, já apresenta resultados negativos devido à falta de investimentos públicos no setor – informa o relatório “Monitoramento do Direito à Educação”, produzido pela Rede de Ativistas pela Educação, do Fundo Malala, com a supervisão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
O documento, elaborado em parceria com 11 ativistas representantes de diversas organizações, denuncia as consequências da aprovação do teto de gastos, em 2014, para o atraso severo no cumprimento das metas do PNE.
Na primeira infância, por exemplo, o Brasil nunca conseguiu atingir a meta de 50% de cobertura de creches para a faixa-etária de 0 a 3 anos, que atende hoje apenas 37% das crianças.
No ensino fundamental, os alunos da rede pública foram os mais afetados pelo déficit de ensino nos anos de 2020 e 2021, em plena a pandemia, o que fez o índice de conclusão dessa fase despencar no período: apenas 81% dos formandos tinham a faixa etária até 16 anos (ou na idade recomendada”), contra uma meta de 95%, prevista no PNE.
No ensino médio, que tinha como meta alcançar 85% da população de 15 a 17 anos até 2024, está com apenas 74% de cobertura, algo bem aquém do previsto. Por fim, as matrículas em instituições públicas de ensino superior, que deveriam crescer 40% na previsão do PNE, subiram módicos 3,6%.
O relatório foi entregue às autoridades na semana passada, durante uma reunião interministerial em Brasília, solicitada pela própria Malala, com o objetivo de discutir e buscar soluções para os desafios educacionais enfrentados pelo Brasil. Estiveram presentes no encontro a secretária de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas, Juma Xipaia; o ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Márcio Macêdo; a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco; a secretária-executiva do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, Rita de Oliveira; a secretária-executiva do Ministério das Mulheres, Maria Helena Guarezi; além do ministro da Educação, Camilo Santana.
Na sequência, a Rede de Ativistas também apresentou um balanço das medidas tomadas pelos poderes Executivo e Legislativo, no âmbito Federal e Estadual, nos primeiros meses de seus mandatos em prol do direito à Educação. Para fazer o balanço, a Rede de Ativistas tomou como base o documento “Carta-Compromisso pelo Direito à Educação”, elaborado na época das eleições junto à Campanha Nacional pelo Direito à Educação, para convencer os então candidatos a serem signatários de 40 compromissos em defesa de uma educação pública, gratuita, antirracista, antissexista, laica, inclusiva, equitativa e de qualidade.
Se eleitos, eles deveriam apoiar ações como a elaboração de um novo Plano Nacional de Educação, o retorno dos recursos para a educação de jovens e adultos, a revogação do novo ensino médio, a consolidação da educação quilombola, indígena e povos tradicionais, entre outras políticas públicas. Os vencedores das eleições que assinaram a Carta foram o presidente Lula, quatro governadores (dos estados Maranhão, Piauí, Amapá e Espírito Santo), 43 parlamentares federais e outros 56 deputados estaduais.
Desempenho do Governo Federal – Segundo o relatório da Rede de Ativistas, o início da terceira gestão do presidente Lula vem somando pontos positivos com a recriação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), a retomada do Fórum Nacional de Educação (FNE), novas medidas de combate à violência nas escolas, o reajuste de 39% no valor destinado ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o repasse de R$ 500 milhões para investimento em infraestrutura nas escolas, o aumento da oferta de bolsas de estudos, entre outras ações.
No entanto, algumas questões ainda se mostram frágeis, como a manutenção do Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares, criado por meio do Decreto nº 10.004/2019, que implementa escolas cívico-militares públicas em estabelecimentos de ensino público com baixo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Outros desafios do Ministério da Educação estão na demora para a revogação do Novo Ensino Médio e na ameaça da falta de recursos suficientes para suprir as sequelas deixadas pela pandemia na rede pública de ensino, por conta das novas regras do teto de gastos do Poder Executivo.
Balanço nos Estados – Enquanto isso, os principais entraves para o cumprimento da Carta-Compromisso apontados no relatório foram divididos segundo as regiões.
No Norte e Centro-Oeste, merecem registros a não-revogação da reforma do ensino médio (Tocantins e Mato Grosso do Sul) e a crescente militarização das escolas públicas (Goiás, Mato Grosso, Acre, Roraima, Rondônia). Nesse último estado, o governo local criou Projeto Escola Segura, com a figura de “pelotões disciplinares” formados por estudantes, além do Programa Amigo Voluntário da Educação, que paga diárias de R$55 para colaboradores sem concursos públicos, aumentando a precarização do trabalho de apoio às escolas.
No Sudeste, a militarização das escolas públicas chama a atenção em Minas Gerais, e o Estado de São Paulo peca por não implementar a Lei do Piso Salarial Profissional Nacional. Na região Sul, o Rio Grande do Sul também não implementou a Lei do Piso Salarial, e a militarização segue forte nas escolas públicas de Santa Catarina e no Paraná – considerado o estado líder em escolas cívico-militares, com mais de 200 instituições seguindo esse modelo e previsão de dobrar o número nos próximos anos.
Já no Nordeste, o relatório destaca a privatização e a mercantilização da educação no Piauí; a não-revogação da reforma do ensino médio em Pernambuco; e a expansão dos colégios militares no Maranhão (com 44 instituições) e na Bahia (116), representando um crescimento de 6 vezes primeiro estado (no período de 2015 a 2022) e em 20 vezes no segundo (no período de 2018 a 2022).
Sob a coordenação e com edição final pelo Inesc, o relatório “Monitoramento do Direito à Educação” apresentado à jovem ganhadora do Nobel da Paz no Brasil foi produzido a partir do Fundo Malala, instituição internacional homônima à ativista, que apoia o trabalho de mais de 80 educadores em dez diferentes países (Afeganistão, Bangladesh, Brasil, Etiópia, Índia, Líbano, Nigéria, Paquistão, Tanzânia e Turquia) para promover o acesso e a permanência de meninas na escola.
Sobre a Rede de Ativistas pela Educação – A Rede de Ativistas pela Educação foi criada em 2017 e faz parte do Fundo Malala no Brasil, que reúne 11 ativistas e suas organizações e atua em diversas regiões do país, para garantir o direito à educação de meninas, com foco em meninas negras, indígenas e quilombolas.