Cerca de 3 milhões de vidas são salvas anualmente em todo o mundo em função da aplicação de vacinas, conforme dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). Mesmo assim, diversos países, incluindo o Brasil, vivem uma redução na cobertura vacinal, o que aumenta o risco do retorno de diversas doenças graves, inclusive a poliomielite. Em 1994, o país recebeu da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) a certificação de área livre de circulação do Poliovírus Selvagem em território nacional, juntamente com os demais países das Américas.
O relatório elaborado a partir da 14ª reunião da Comissão Regional de Certificação (RCC) para erradicação da pólio nas Américas, divulgado em setembro deste ano, mostra que o Brasil apresenta alto risco de contaminação em virtude da baixa cobertura vacinal. “Apesar da imunização ser o único meio de prevenção contra a paralisia infantil, a cobertura vacinal contra pólio no país está em 69%, um dos piores níveis de todos os tempos. Para garantir que a doença permaneça erradicada do país, ao menos 95% das crianças, abaixo de cinco anos de idade, devem ser vacinadas, o que não vem acontecendo desde 2015”, afirma a infectologista e gerente médica do Serviço de Imunização do Grupo Sabin, Ana Rosa dos Santos.
Ela também alerta que as pessoas devem olhar para o sucesso da vacinação no passado, que garantiu a erradicação da doença, como um indicador da qualidade e segurança das vacinas e continuar imunizando as crianças. “Muitas vezes as pessoas acreditam que, como não veem mais crianças acometidas, não precisam mais vaciná-las. Mas para manter o vírus erradicado do Brasil e das Américas, é preciso manter as coberturas altas, de forma homogênea em todos os municípios e com esquema completo de vacinação.”
A pólio é uma doença que paralisa os músculos do nosso organismo, não apenas os músculos dos membros inferiores, mas os demais músculos da laringe e da faringe, causando dificuldade para comer e falar, além de acometer o pulmão, dificultando a respiração. Em sua versão mais grave, os inúmeros músculos da cabeça e pescoço são atingidos, próximos dos nervos cranianos com maior gravidade podendo acarretar morte.
Existem duas vacinas usadas no mundo para combater a pólio: a Sabin (gotinha), produzida com o vírus atenuado, e a Salk (injetável), feita com o vírus inativado. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que a vacina Sabin seja progressivamente substituída pela Salk. Assim, iremos diminuir a circulação do vírus vacinal.
As organizações internacionais e nacionais de saúde reconhecem a combinação entre as duas vacinas, injetável e gotinha, como a forma mais eficaz de prevenção da poliomielite. “Com o calendário de vacinação das crianças em dia, o risco de contrair a doença é reduzido. Mas, com a baixa cobertura vacinal, a possibilidade de uma cepa vacinal se reverter e causar doença é mais preocupante. Além disso, é possível que haja a reintrodução do vírus selvagem no Brasil, uma vez que ele está em circulação em países, como Paquistão e Afeganistão. Portanto, como ainda apresentamos uma cobertura vacinal heterogênea nos municípios brasileiros, a recomendação é que o esquema de vacinação seja sequencial (Salk e Sabin)”, aponta a infectologista.
A campanha nacional de vacinação contra poliomielite, promovida pelo Ministério da Saúde, é por um período e ao encerrar, o imunizante segue disponível para a população nas redes pública e privada, durante todo o ano. “É importante que todos entendam que, mesmo que uma doença esteja erradicada ou eliminada, há necessidade coletiva de atender ao chamado da vacinação. As vacinas salvam vidas. Vacine-se. Proteja-se e proteja quem você ama. Prevenir é sempre melhor!”, conclui Ana Rosa.
Surgimento de casos de pólio
Em julho deste ano, os Estados Unidos registraram o primeiro caso de poliomielite desde 2013, quando foi constatada a erradicação da doença no país. O jovem adulto infectado desenvolveu paralisia muscular, um dos sintomas da enfermidade. O vírus também foi detectado nos esgotos de Nova York, maior cidade norte-americana. “Uma investigação mostrou por análise genética do vírus que este caso de pólio estava ligado a vírus derivados de vacinas recentemente detectados em Jerusalém e Londres, segundo a Iniciativa Global de Erradicação da Pólio”, explica a infectologista.
No Reino Unido (Europa), a Agência de Segurança de Saúde informou que amostras do poliovírus também foram encontradas em esgotos, sugerindo a provável circulação do patógeno pelo continente. Ao todo, 116 vírus isolados foram identificados em 19 amostras coletadas em esgotos de Londres, entre fevereiro e julho deste ano.
De acordo com a OMS, os casos de poliomielite em países endêmicos (Malawi, Paquistão e Afeganistão) saltaram de 6, em 2021, para 23 em 2022. “Esses surtos da doença, somados aos casos identificados em outros continentes, representam um alerta para a população mundial e indicam que a doença voltou a ser um problema de saúde pública, que teve seu risco elevado pela diminuição da procura da vacina, contribuindo para cobertura vacinal”, reforça Ana Rosa.