PF avança contra Braga Netto após ver atuação suspeita de militares em contratos

POR FABIO SERAPIÃO E MATEUS VARGAS

A Polícia Federal avançou nas últimas semanas e abriu novas frentes na apuração que mira a gestão de Braga Netto no GIF (Gabinete de Intervenção Federal no Rio de Janeiro). Os desdobramentos ocorrem após os investigadores mapearem a atuação de militares da reserva na intermediação de contratações milionárias.

Informações coletadas pela PF indicam que as suspeitas de irregularidades em contratos assinados pela gestão de Braga Netto extrapolam o caso da compra de coletes balísticos alvo da operação Perfídia, que investiga o ex-ministro de Jair Bolsonaro (PL).

Os investigadores ainda analisam R$ 1,2 bilhão em contratações e cruzam os dados com informações das quebras de sigilo e materiais apreendidos na operação, mas já encontraram indícios de irregularidades em contratos de R$ 17,5 milhões para compra de blindados que sequer foram utilizados pela intervenção e ficaram com o Exército.

Um novo inquérito deve ser instaurado sobre o caso. Por um lado, os desdobramentos da apuração devem colocar ainda mais pressão sob a possível candidatura de Braga Netto à Prefeitura do Rio pelo PL. Por outro, apontam para desvios envolvendo militares no Rio, quando o governo Lula (PT) estuda novamente o uso das Forças Armadas na segurança do estado.

O general Braga Netto disse que os contratos da intervenção seguiram trâmites legais.

Ele foi nomeado interventor pelo ex-presidente Michel Temer (MDB). Depois, virou ministro do governo Bolsonaro e foi vice na chapa de reeleição do ex-presidente —que acabou derrotada.

Durante a intervenção, os militares compraram 16 blindados Lince K2 de uma empresa ligada ao Ministério da Defesa da Itália. Eles nunca foram utilizados pelas forças de segurança do Rio e acabaram enviados para o Exército após a compra.

A PF apura se houve desvio de finalidade na contratação desses blindados, uma vez que a verba de R$ 1,2 bilhão tinha como objetivo melhorar a segurança do Rio, e não equipar as Forças Armadas.

Além disso, a PF investiga se, assim como no caso dos coletes balísticos, ocorreu o mesmo modus operandi sob investigação: a participação de empresas ligadas a militares da reserva na intermediação dos negócios.

Os investigadores mapearam, por meio de conversas do celular do vendedor dos coletes, a atuação do general Paulo Assis e do coronel Robson Queiroz, ambos da reserva, em contratos do GIF e de outras áreas.

Os dois tiveram o sigilo telemático quebrados e as informações estão reforçando as investigações em andamento.

Segundo a PF, o general Paulo Assis vendeu influência sobre Bolsonaro, o vice Hamilton Mourão e Braga Netto para tentar destravar a contratação milionária de coletes. Embora a intervenção tenha acabado em dezembro de 2018, a maioria dos valores empenhado e contratações foram executadas posteriormente.

Já Robson Queiroz, que foi subordinado por mais de dois anos a Braga Netto, recebeu R$ 25 mil da empresa investigada sob suspeita de corrupção na compra dos coletes pela intervenção no Rio.

Queiroz foi nomeado em dezembro de 2016 para o Comando Militar do Leste, então chefiado por Braga Netto.

O TCU (Tribunal de Contas da União) já analisou as compras da intervenção federal e apontou que os blindados na mira da PF serviram para equipar o Exército, mas não para o uso cotidiano das polícias do Rio —ainda que a verba tivesse essa finalidade.

O tribunal concluiu que houve “falha de planejamento que prejudicou a segurança pública” do estado após a intervenção. O órgão, porém, não considerou que houve irregularidade.

O TCU disse que os blindados só podem reforçar ações nas ruas do Rio em caso de operação GLO (Garantia da Lei e da Ordem). “O que atende às necessidades pontuais e emergenciais do Rio de Janeiro, mas não ao patrulhamento contínuo e às operações diárias de competência das forças policiais do estado”, afirmou.

Procurado, Assis não respondeu aos questionamentos da reportagem. A reportagem não conseguiu contato com Queiroz.

A intervenção federal no Rio ainda acelerou gastos no fim de 2018. Em dezembro daquele ano, último mês de trabalho dos militares, foi empenhado cerca de 66,4% (R$ 774 milhões) do total das despesas autorizadas durante toda a operação (R$ 1,165 bilhão).

A intervenção encaminhou a compra de R$ 40 milhões em coletes da empresa CTU no último dia de dezembro. A Polícia Federal apura justamente se houve fraude na compra desses coletes.

O governo chegou a pagar R$ 36 milhões à CTU em 23 de janeiro de 2019, mas o valor foi devolvido em setembro do mesmo ano.

Ainda em dezembro, a intervenção também contratou serviços da Verint Systems, responsável por fornecer o software FirstMile, investigado no caso da suspeita de uso pela Abin (Agência Brasileira de Inteligência) para monitorar jornalistas, juízes e adversários de Bolsonaro.

As duas notas de empenho com a Verint somam R$ 38,6 milhões, não detalham as compras e registram que os negócios têm “caráter secreto ou reservado”.

Como mostrou o jornal Folha de S.Paulo, os softwares de inteligência adquiridos da Verint pela Intervenção ficaram com o Exército.

Em nota, o gabinete de intervenção federal no Rio de Janeiro disse que não conduziu a compra das viaturas blindadas, mas confirmou que elas ficaram com as Forças Armadas. Afirmou ainda que há “possibilidade de utilização em prol dos órgãos de segurança pública do Rio de Janeiro”, caso seja interesse do governo local.

O órgão hoje é ligado ao GSI (Gabinete de Segurança Institucional). A compra dos blindados foi feita por meio da Comissão do Exército em Washington.

Braga Netto disse que os contratos seguiram regras de compras públicas. Afirmou ainda que o TCU aprovou essas contas.

“Além disso, é crucial compreender o contexto em que as aquisições foram realizadas. Os recursos foram disponibilizados em abril, e devido à singularidade e ao custo dos materiais e equipamentos de segurança pública, não foi possível adquiri-los imediatamente, pois muitos desses itens não são ‘de prateleira’ e precisam ser produzidos especificadamente sob demanda”, disse o general da reserva.

Braga Netto declarou que não teve envolvimento direto na “decisão final” das contratações e que existia estrutura específica para as aquisições da intervenção federal.

Sobre sua relação com o general da reserva Paulo Assis e o coronel Robson Queiroz, a nota do ex-ministro afirmou que “apesar de contemporâneos do general Braga Netto, estiveram com ele em momentos esporádicos e em situações rigorosamente republicanas.”

O Exército, também por meio de nota, disse que a compra dos blindados foi feita por meio de “TED (Termo de Execução Descentralizada) para apoio às necessidades do Gabinete de Intervenção Federal (GIF).”

“Por força de memorando de entendimento celebrado entre Brasil e Itália, as viaturas blindadas Lince só poderão ser usadas pelas Forças Armadas, por isso permaneceram no patrimônio do Exército, em condições de emprego multipropósito, inclusive em apoio à Segurança Pública, quando necessário.”


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