Para ambientalistas, Brasil está atrasado na mitigação dos efeitos climáticos
Em audiência na Câmara, ativistas ambientais e acadêmicos defenderam que o País privilegie políticas para povos tradicionais e redução do desmatamento
Ativistas ambientais e acadêmicos reiteraram na terça-feira (24) que o Brasil está atrasado no combate às mudanças climáticas, uma vez que ainda se depara com entraves na proteção de direitos sociais e ambientais. Eles foram ouvidos na Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais da Câmara dos Deputados.
Segundo eles, o País deveria privilegiar a pauta interna, com o fortalecimento dos direitos dos povos tradicionais e a redução do desmatamento, em vez de concentrar a atenção em eventos da agenda internacional climática, como a COP-28, convenção do clima que será realizada entre novembro e dezembro em Dubai (Emirados Árabes).
Na visão do presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), Carlos Bocuhy, as políticas de adaptação climática realizadas no País ainda são segregacionistas, uma vez que não privilegiam a voz de povos indígenas nos centros de decisão. “As populações indígenas têm de ter um nível de participação nas esferas de decisão sobre seus territórios, porque elas sabem o que é necessário fazer e elas estão sentindo na pele o decréscimo da pesca e a questão do calor”, disse.
Para tanto, ele defende que sejam criados comitês regionais, com a participação das comunidades afetadas e do Ministério Público, entre outros, onde serão tomadas as decisões sobre aplicação de recursos.
Isso, conforme Bouchy, evitaria os casos em que o dinheiro destinado à política ambiental seja empregado em festas e outros eventos, sem que haja fiscalização. “Não podemos deixar que os recursos sejam dirigidos aos municípios, e com eles fique a decisão, porque eles não têm aporte técnico e científico para a tomada de decisão em relação à gestão”, reforçou.
Renato Araújo/Câmara dos Deputados
Rastreabilidade de produção
Já o procurador da República Daniel Azeredo apontou que o Brasil está atrasado na adoção da tecnologia de rastreabilidade de commodities. “Não podemos ter commodities, gados, soja, grãos produzidos na Amazônia e no Cerrado sem a identificação completa com sua rastreabilidade desde a sua produção”, frisou. Ele acrescentou que esse sistema já é amplamente usado pelos produtores da União Europeia.
O cenário atual no País, conforme ele, estimula a produção ilegal em unidades indígenas e áreas de conservação, uma vez que o custo de uso da terra é nulo.
A coordenadora de Enfrentamento à Crise Climática do Ministério dos Povos Indígenas, Suliete Baré, reconheceu a dificuldade de se fortalecer os alicerces para a economia verde e a preservação dos ecossistemas, sobretudo diante da pressão da bancada ruralista do Congresso.
Ainda assim, ela, que é engenheira florestal, reforçou que o atual governo está mais capacitado para alavancar a agenda ambiental. “Nós temos um grande desafio pela frente, mas estamos preparados não só em relação ao conhecimento tradicional, mas também ao conhecimento técnico e político para estar ocupando esses espaços dentro ou fora do governo em defesa dos povos tradicionais”, reforçou.
Renato Araújo/Câmara dos Deputados
Ondas de Calor
Durante a reunião, os participantes mencionaram as recentes ondas de calor, em pleno inverno, como evidente efeito nocivo das mudanças climáticas provocadas pelo atual modelo de desenvolvimento econômico.
Pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Luciana Vanni Gatti explicou que esses “eventos extremos” ocorrem em áreas desmatadas, onde a superfície fica mais exposta ao sol, ou quando ocorre a plantação de espécies que contribuem para o ressecamento do solo, como o eucalipto. “Os eventos extremos acontecem com maior intensidade onde os sistemas foram muito alterados, como na Bahia, no Espírito Santo, em São Paulo e no Rio Grande do Sul”, disse.
Gatti afirmou que esses efeitos não podem ser revertidos sem a participação dos povos tradicionais nas decisões sobre a ocupação do território: “Os povos indígenas e a nossa área preservada são a nossa fábrica de chuva, da qual o agronegócio é dependente”, completou.
Renato Araújo/Câmara dos Deputados
O indígena e biólogo Eriki Terena informou que, no Pantanal, foram consumidos pelo fogo 200 mil hectares apenas neste ano. Ele acrescentou que, neste bioma, existem 480 focos de calor atualmente. “Para nós, povos indígenas, não podemos nos dar esse luxo de que suma essa preocupação com o território e com o clima. Para nós, essa realidade é diária, nós não podemos esquecer a crise climática”, disse.
A deputada Professora Luciene (Psol-SP) informou que todas as intervenções e propostas feitas na audiência serão encaminhadas pelo colegiado ao Ministério do Meio Ambiente e demais responsáveis pelo tema. “Entendo que essa questão do direito ambiental é transversal e precisa estar no centro do debate da reconstrução do País”, ressaltou.
Crédito da foto: Renato Araujo/Câmara dos deputados
Fonte: Agência Câmara de Notícias