O duelo dos dubladores: homem vs. máquina
Por Louize Fischer
Na era da tecnologia e interconexão global, a dublagem emerge como um ponto de convergência entre tradição e inovação, representando uma discussão cada vez mais presente na esfera pública. A chegada da inteligência artificial (IA) à indústria não é apenas uma mudança na forma como consumimos conteúdo audiovisual, mas também desafia a existência dos dubladores humanos.
O cenário provável que se desenha, não por uma escolha voluntária dos dubladores, mas como um curso natural dado o processo evolutivo da indústria – a exemplo do que já se observou em outras profissões abruptamente impactadas –, aponta para uma necessidade de cooperação entre humanos e tecnologia.
A IA é implacável, e os dubladores humanos podem estar enfrentando um futuro incerto.
Ameaça da homogeneização pela IA
A grande ameaça que a IA representa para a dublagem é a homogeneização da voz. Isso porque, ela pode imitar não apenas as vozes, mas também as entonações, tornando cada dublagem quase indistinguível. Aliás, o termo usado para essa nova função da IA é “clonagem de voz”, pois ela imita a voz original na passagem para outros idiomas.
Dessa forma, mesmo as vozes mais emblemáticas podem ser simuladas pela IA, que se apresenta como uma opção mais ágil e menos custosa do que a dublagem humana. Diante disso, o setor enfrenta uma encruzilhada que pode já ter se instalado.
Mas vamos ser claros, sou uma grande fã da dublagem, especialmente a brasileira. Temos talentos incríveis, como Guilherme Briggs, Hermes Baroli e Carol Valença, que dão vida a personagens memoráveis. No entanto, a realidade inegável é que a IA está ganhando terreno e os dubladores estão perdendo seu diferencial.
Além disso, não podemos deixar de refletir sobre os ganhos que não são comerciais. A IA na dublagem transcende a simples automação das tradicionais vozes humanas. Ela nos dá a oportunidade de criar uma narrativa cultural global, quebrando as barreiras linguísticas que muitas vezes confinam narrativas a públicos locais.
Imagine assistir a um filme sul-coreano com as vozes dos atores preservadas, mas entendendo cada palavra em português. Isso é mais do que apenas acessibilidade; é uma forma de celebrar e compreender diferentes culturas em toda a sua autenticidade.
Quanto mais a discussão avança, mais fica claro que esses profissionais precisam correr para se mostrarem úteis, com essa nova colega impiedosa e inevitável.
A revolta dos fãs e o papel dos artistas na dublagem
Debate e protesto não são exatamente novidade, já que desafios e controvérsias relacionados às vozes humanas ocorrem há muito tempo. O surgimento da Inteligência Artificial é apenas mais um sinal de perturbação em uma indústria que, de certa forma, tem se mostrado resistente à mudança.
Os fãs da dublagem muitas vezes se revoltam quando artistas de renome são escolhidos para dublar, afirmando que isso tira o trabalho de dubladores profissionais. Casos como a participação de Pitty em Mortal Kombat geram polêmica, demonstrando a conexão emocional que os fãs têm com as vozes de seus personagens favoritos.
No entanto, mesmo não sendo novidade, a IA representa um desafio muito maior. O que a regulamentação e altas penalidades pelos direitos de voz podem fazer para equilibrar essa balança? É uma pergunta difícil, mas talvez seja a única saída, visto o retrospecto da profissão. Além disso, existe também a possibilidade de royalties, no caso de eternizar a voz de um personagem.
Preservação das vozes icônicas
Nem todas as notícias são ruins, há um ponto positivo nessa revolução e dessa vez para os profissionais da área. A IA pode eternizar as vozes de personagens marcantes com a voz de seus dubladores originais. Isso pode ser uma maneira de
honrar as contribuições significativas dos dubladores à indústria e garantir que suas vozes icônicas vivam para sempre nos corações dos fãs.
Existem algumas dublagens que são tão marcantes, que muitos consideram a versão dublada mais interessante do que a original. Essas interpretações icônicas têm um lugar especial na memória de cada um e podem ser preservadas com a ajuda da IA. Pense na dublagem de “Todo Mundo Odeia o Chris”, com seus bordões inesquecíveis como “meu marido tem dois empregos” e “o carinha que mora logo ali”. Ou a dublagem do Sid de “A Era do Gelo”, que trouxe carisma e humor ao personagem. E o que dizer da icônica dublagem de Adam Sandler? A IA tem o potencial de manter viva a magia dessas interpretações que marcaram época.
Até porque, estamos falando de vozes muito queridas. Os desenhos animados são remasterizados e ganham uma nova roupagem de geração em geração, agora imagine seus filhos assistindo Patolino com a voz de Orlando Drummond.
A Inteligência Artificial é uma realidade que não pode ser ignorada e agora, já chegou na dublagem. Outras profissões se viram ameaçadas logo de cara, principalmente aquelas em que o trabalho envolve redação. E não tem uma fórmula mágica, eles foram forçados a se adaptar e, ouso dizer, tranquilamente, que vão precisar fazer esse movimento para sempre. A cada atualização da IA, o ser humano precisa correr atrás.
Os dubladores podem usá-la para aprimorar sua arte com a tecnologia, incorporando novas ferramentas em seu trabalho para melhorar a qualidade da dublagem e expandir seu alcance. É uma oportunidade para eles evoluírem em uma era de tecnologia avançada?
Mesmo assim, a regulamentação e a proteção dos direitos de voz são cruciais para garantir que a dublagem como arte e profissão continue a existir, até porque, não sabemos se e como eles vão conseguir se adaptar.
A IA pode ser uma ferramenta, mas não deve ser a substituição. Embora esse seja um discurso que estamos cansados de ouvir, o que já foi feito a respeito? Boa sorte aos dubladores.
Louize Fischer, head de inteligência de mercado da Macfor
Sobre a Louize
Louize Fischer é jornalista pós-graduada em Negócios Digitais, com expertise em marketing digital full service, aquisição de clientes e gestão de projetos. Atua também como consultora de marketing digital e instrutora de cursos personalizados. Com uma trajetória que inclui experiências em startups e na Grupo WPP, ela já trabalhou com marketing para SaaS e com clientes de renome, como Nextel, Cyrela, Votorantim, Porto Seguro, Warner Bros, Johnson & Johnson e Walmart Brasil. Louize é reconhecida como vencedora do Prêmio Sangue Novo de Jornalismo e atualmente atua como jurada da premiação na categoria Produto Jornalístico para Web.