O desaparecimento da classe média no Brasil: salários estagnados e custo de vida em alta estrangulam o sonho da estabilidade
Nos últimos anos, a classe média brasileira, antes símbolo de estabilidade financeira e ascensão social, vem perdendo o fôlego. Com o aumento dos preços dos bens essenciais, a pressão para manter um padrão de vida minimamente confortável se intensificou, deixando esse segmento da população à beira do colapso econômico. O que levou ao esvaziamento da classe média no Brasil? André Charone, contador, consultor financeiro e autor do livro “A Verdade sobre o Dinheiro: Lições de Finanças para o Seu Dia a Dia”, oferece uma análise contundente dos fatores que contribuíram para a erosão desse grupo, que já foi o pilar do consumo e do crescimento econômico do país.
Inflação Implacável e Salários Estagnados
Para Charone, o fenômeno é claro: o custo de vida no Brasil aumentou vertiginosamente enquanto os salários da classe média não acompanharam essa escalada. “Nos últimos dez anos, a inflação tem sido particularmente cruel em áreas essenciais, como alimentação, habitação, saúde e educação. Esses são itens que consomem a maior parte da renda da classe média, e os reajustes salariais ficaram muito aquém desse aumento. Resultado: essa faixa da população se vê cada vez mais pressionada a cortar despesas para manter um estilo de vida que, até pouco tempo atrás, era tido como básico”, analisa Charone.
Esse abismo entre a renda e o custo de vida afeta não só o presente, mas também o futuro da classe média, que enfrenta dificuldades crescentes para investir em educação de qualidade e garantir um padrão de vida digno na aposentadoria. O poder de compra, outrora principal marcador do status da classe média, se dissolve diante de um cenário onde até o básico passou a ser um privilégio.
O Papel dos Tributos e da Dívida Familiar
Outro fator crítico é a carga tributária excessiva que recai sobre a classe média. No Brasil, os impostos sobre consumo representam uma fatia significativa da tributação, afetando desproporcionalmente quem ganha entre três e dez salários mínimos – um perfil típico da classe média. Produtos básicos e serviços essenciais vêm embutidos com tributos que encarecem a conta final para o consumidor. Ao mesmo tempo, as dívidas familiares se tornaram uma preocupação constante; o brasileiro médio tem cerca de 78% da sua renda comprometida com dívidas, o que sufoca ainda mais a capacidade de poupar e investir.
A classe média também sofre com a falta de incentivos fiscais para poupança e investimento. Enquanto isso, setores da elite e das grandes corporações usufruem de isenções e benefícios que raramente são estendidos ao cidadão comum. Para Charone, esse desequilíbrio torna o jogo ainda mais difícil: “Sem políticas públicas que ofereçam apoio concreto, a classe média é continuamente penalizada, pressionada entre a necessidade de manter seu padrão e as limitações financeiras crescentes.”
Estagnação Econômica e a Perda do “Sonho Brasileiro”
A promessa de que a classe média continuaria a crescer e impulsionar a economia do país está, há tempos, desfeita. A instabilidade política e econômica dos últimos anos, agravada pela pandemia de Covid-19, intensificou um cenário de desemprego e insegurança financeira que já era crítico. Como consequência, muitos brasileiros que antes se encaixavam na classe média caíram na pobreza, ou, no mínimo, tiveram de reduzir drasticamente o consumo, cortando lazer, viagens, e até planos de saúde.
A questão habitacional é outro exemplo desse drama. O aumento dos aluguéis e dos preços de imóveis tornou o sonho da casa própria um objetivo distante para boa parte da classe média, especialmente para as gerações mais jovens, que vivem com a incerteza de não conseguirem acessar bens e serviços que antes eram a base do sonho de estabilidade econômica.
O Futuro da Classe Média: Como Reverter a Trajetória de Declínio?
A análise de Charone expõe a gravidade da situação, mas também destaca a necessidade urgente de políticas que revitalizem a classe média brasileira. Sem incentivos para o aumento do poder de compra, reajustes salariais condizentes com a inflação real e uma reforma tributária que alivie o peso dos impostos sobre o consumo, o país corre o risco de perder um de seus principais motores econômicos.
Para Charone, a recuperação da classe média passa por um reposicionamento das prioridades econômicas nacionais: “Precisamos de políticas que considerem as necessidades da população como um todo, ao invés de uma minoria privilegiada. É crucial que haja um esforço para reduzir as desigualdades e permitir que a classe média retome seu espaço. Caso contrário, estamos prestes a nos tornar uma nação dividida entre ricos e pobres, sem o equilíbrio que a classe média oferece.”
A falta de uma classe média forte pode ter consequências profundas para o Brasil, tanto na economia quanto na política e na coesão social. O desaparecimento da classe média brasileira não é só uma perda de status, mas uma crise que ameaça o futuro do país.