Morde e assopra: em busca de apoio, Milei tenta convencer o papa a visitar a Argentina
Depois de insultar o líder da Igreja Católica, o presidente argentino, Javier Milei, teve o seu primeiro encontro com o papa Francisco no domingo (11) no Vaticano. Interessado em uma possível visita do pontífice a Buenos Aires, no momento em que seu governo ultraliberal é contestado nas ruas, Milei cumprimentou o compatriota com um abraço na Basílica de São Pedro, na missa de canonização da beata Maria Antonia de Paz y Figueroa, conhecida como Mama Antula e primeira santa argentina.
Diante de centenas de fiéis, o ultraliberal Milei curvou-se para cumprimentar e abraçar o papa em sua cadeira de rodas. Os dois líderes também conversaram antes da missa, segundo o Vaticano.
No passado, Milei já desrespeitou abertamente o papa Francisco ao chamá-lo de “imbecil” e de “representante do mal”. Durante a recente campanha eleitoral, o economista ultraliberal de extrema direita acusou o pontífice argentino de “interferência política”. Depois de eleito, no entanto, o destempero arrefeceu e Milei busca, agora, um bom relacionamento com “o argentino mais importante da história”, como se referiu a Francisco horas antes da missa. Por isso, quando o papa entrou na Basílica, neste domingo, Milei levantou-se em sinal de respeito e se ajoelhou durante a cerimônia.
Foi uma das imagens do dia, em uma semana que tem sido agitada para Milei. Ele viajou para Jerusalém, rezou emocionado no Muro das Lamentações, teve a sua primeira grande crise com o fracasso do seu mega pacote de reformas, fez inúmeros insultos aos seus detratores e ainda teve tempo de passear por Roma antes de ver o papa.
“É um momento histórico’, disse à AFP Mariana Accietto, argentina natural de Córdoba e residente em Roma. “Esperamos que o presidente e o papa procurem melhorar a situação na Argentina”, acrescentou esta mulher de 50 anos.
Primeiro contato antes de audiência
Este domingo foi um primeiro contato antes de uma audiência na manhã de segunda-feira (12) no Vaticano, na qual Francisco e Milei poderão falar longamente. No mesmo dia, o líder argentino se reunirá com o presidente italiano, Sergio Mattarella, e com a primeira-ministra Giorgia Meloni.
No sábado, em entrevista à rádio Mitre argentina, Milei preparou o terreno, afirmando que o papa “é o argentino mais importante da história” e disse esperar ter “um diálogo muito frutífero” com ele. A audiência acontecerá em uma atmosfera carregada pelos ataques anteriores de Milei ao papa.
Nos últimos meses, Jorge Mario Bergoglio e o novo líder argentino encenaram uma trégua, o primeiro com um telefonema de felicitações após a vitória eleitoral em novembro, e o segundo com uma carta-convite para visitar a Argentina. Mas os dois partem de ideologias muito diferentes sobre a forma de enfrentar a pobreza, mal que atinge 40% da população da Argentina, onde a inflação fechou no ano passado acima de 200%.
Ao longo do seu papado, Francisco criticou os excessos e as desigualdades geradas pelo liberalismo, enquanto Milei, embora sem maioria no Congresso argentino, está empenhado em uma política de privatizações e desregulamentação do mercado de trabalho, desde sua posse, em 10 de dezembro. Uma linha que ele prometeu manter, apesar do fracasso do seu mega pacote de medidas econômicas e políticas conhecido como Lei Ônibus em votação ocorrida na terça-feira.
Média com eleitorado conservador
Com esta visita ao Vaticano, Milei busca ainda se manter contectado ao importante núcleo de eleitores conservadores que possui.
O analista político argentino Germán Galarza disse à RFI que “a carta de Milei enviada ao papa foi decisiva para chegar ao eleitorado conservador”, que havia ficado alarmado com os insultos proclamados pelo líder ultraliberal. Segundo Galarza, ao mencionar na carta que o seu governo herdou “uma situação econômica complexa” e à qual manifestou o seu necessário apoio, Milei pediu indiretamente ao papa que endossasse as suas medidas governamentais.
Na carta também se pode ler que a visita “trará frutos de pacificação e fraternidade entre todos os argentinos, ansiosos por superar divisões e confrontos”, destaca Galarza.
Uma visita pendente
O papa Francisco, jesuíta e ex-arcebispo de Buenos Aires, não visita o seu país natal desde que foi eleito chefe da Igreja Católica em 2013, e o seu desejo de fazê-lo este ano será uma das grandes questões que pairarão sobre a reunião de segunda-feira.
Em entrevista ao Vatican News, o atual arcebispo de Buenos Aires, Jorge Ignacio García Cuerva, expressou sua impaciência em ver Francisco na Argentina, cuja visita seria “o encontro do pastor com seu povo”.
Embora também tenha reconhecido as suspeitas políticas em torno de uma figura cujas declarações e omissões são acompanhadas de perto em seu país: “Às vezes, nós, argentinos, não deixamos Bergoglio ser Francisco e o colocamos na lama de nossas discussões”. “Esperamos que o presidente o convença e teremos ‘isso’ este ano na Argentina”, disse o ministro do Interior, Guillermo Francos, que acompanha Milei na visita a Roma e ao Vaticano.
Primeira santa argentina
A argentina María Antonia de Paz y Figueroa (1730 -1799), recentemente canonizada depois de lhe ter sido atribuído um segundo milagre, era uma leiga consagrada que lutou para difundir os exercícios espirituais de Santo Inácio de Loyola justamente quando a Companhia de Jesus, da qual provém o papa, havia sido expulsa dos domínios da coroa hispânica pelo rei Carlos III. Com o tempo, ela também passou a ser considerada uma pioneira dos direitos humanos na Argentina, por sua defesa dos excluídos.
Uma mensagem muito política, desde a canonização de Mama Antula, “uma mulher muito valente e corajosa do seu tempo”, tem “muito a ver com o papel da mulher na Igreja e na sociedade”, explicou à AFP o biógrafo do papa, Sergio Rubín. “Ela viajou milhares de quilômetros a pé, por desertos e estradas perigosas, para levar Deus. Hoje ela é para nós um modelo de fervor e de audácia apostólica”, disse o papa em sua homilia, elogiando a nova santa.