Médico ignora a ética médica e denuncia jovem em caso de aborto
Recentemente, veio à tona um caso em que uma mulher, após buscar atendimento médico na Santa Casa de Araguari, interior de Minas Gerais, foi denunciada por um ginecologista por ter realizado um aborto. A paciente, de 21 anos, encontrava-se em uma situação de risco para sua vida. Como resultado, a polícia foi acionada e, infelizmente, a jovem foi submetida a um interrogatório e, posteriormente, algemada enquanto estava em um leito hospitalar. As acusações do Ministério Público contra ela incluem tentativa de aborto, homicídio duplamente qualificado. Essa situação suscita questões importantes relacionadas à legalidade do aborto e à abordagem adequada em casos de risco à vida da paciente.
O caso aconteceu em outubro de 2020, mas foi divulgado apenas este mês. Após suspeitar que a paciente havia realizado um aborto, o médico acionou a Polícia Militar. O boletim de ocorrência relata que três policiais responderam à chamada e procederam com o interrogatório da paciente. Sob pressão, ela acabou admitindo ter feito o aborto. Consequentemente, foi detida e recebeu voz de prisão. Durante sua permanência no leito hospitalar, permaneceu algemada nas mãos e pés por um período de três dias, sendo constantemente acompanhada por policiais.
A ilegalidade da denúncia por médicos
A advogada especialista em direito médico e hospitalar, Dra. Beatriz Guedes, destaca que no Brasil, a denúncia por médicos de casos de aborto que não se enquadrem nas situações previstas em lei é uma conduta ilegal. O sigilo médico, protegido pelo Código de Ética Médica e pelo Código de Processo Penal, é uma salvaguarda fundamental para garantir a confiança entre médico e paciente, bem como o direito à privacidade e dignidade da pessoa atendida.
No Brasil, a denúncia por médicos de casos de aborto é considerada ilegal, conforme estabelecido pelo Código de Ética de Medicina e pelo Código Penal, que proíbem a violação do sigilo médico. Recentemente, em março deste ano, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) emitiu uma decisão que reforça essa proibição, estabelecendo que médicos não devem denunciar à polícia casos de aborto clandestino que não se enquadrem nas situações legais de gestação resultante de estupro, feto anencéfalo ou risco de vida para a pessoa gestante, que são considerados abortos legais no país.
Violência e desrespeito à saúde da mulher
A Dra. Beatriz Guedes comenta que a forma como a paciente foi tratada nesse caso é inaceitável. Ela foi interrogada, algemada e mantida sob custódia policial no hospital, mesmo apresentando risco de vida. Essa abordagem desrespeita os direitos humanos básicos, viola a integridade física e psicológica da paciente e prejudica a relação de confiança entre pacientes e profissionais de saúde.
Desafios e avanços na proteção dos direitos das mulheres
Embora casos como esse ainda sejam frequentes, há avanços no debate sobre a descriminalização do aborto. Em março deste ano, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que médicos não devem denunciar abortos clandestinos à polícia, a menos que se enquadrem nas situações previstas em lei. Essa decisão reconhece a importância do sigilo médico e reforça a necessidade de proteção dos direitos das mulheres.
“É de extrema importância que os profissionais de saúde respeitem e cumpram rigorosamente seu dever de confidencialidade. A confiança estabelecida entre médicos e pacientes é um pilar fundamental na relação de cuidado e no acesso adequado aos serviços de saúde. O sigilo médico é uma salvaguarda essencial que protege a privacidade e a intimidade dos pacientes, garantindo que suas informações pessoais e de saúde sejam mantidas em estrita confidencialidade. Além disso, o cumprimento do sigilo médico contribui para a preservação da autonomia do paciente, permitindo que ele tome decisões informadas sobre sua saúde, sem o medo de que suas informações pessoais sejam divulgadas sem o seu consentimento.” Finaliza a Dra. Beatriz Guedes.
Mais Sobre Beatriz Guedes:
Diretora da Clínica Libria de cirurgias plásticas.
Advogada,
Formada em direito pela FMU
Pós graduada em direito penal e processo penal pela faculdade Damásio de Jesus
Pós graduada em direito médico ,odontológico e hospitalar pela escola paulista de direito.
Presidente da ONG Em Boa Mãos.