História real versus storytelling: como tomar decisões assertivas na carreira
Por Virgilio Marques dos Santos
Quero desistir. Segundo semestre de Engenharia Mecânica e eu aqui, me sentindo cada dia mais limitado. A imagem que eu tinha de mim, o ótimo aluno do ensino fundamental e o bom aluno do ensino médio, ruiu. Me sinto uma farsa. Sempre tive dificuldade em pensar coisas abstratas e agora, diante da lousa de Circuitos Elétricos, quero desistir. Peguei 2 exames no primeiro semestre, mas no final passei. Agora, como vou aprender isso? E por que estou fazendo essa matéria com a Engenharia Elétrica?
Em 2006, me formei sem nenhuma reprovação. Mas, em 2002, segundo semestre, sabia o quanto seria doloroso e o quanto meus limites seriam testados. Em 2006, outro momento assim. Meu estágio era em São Paulo e viajava duas vezes por semana para Campinas e uma para Rio Claro. No banco, estava indo bem. Era um estagiário respondendo diretamente para o gerente. O analista havia pedido a conta. Estava valendo o esforço, pois seria recompensado e iria ser efetivado. E, melhor, iria para a área de investimentos.
Até então, mapeava processos por meio dos fluxogramas e dos POPs (Procedimento Operacional Padrão). Era a interface entre a área de tecnologia e a de back-offce. Fora eleito para coordenar o time de estagiários da minha área e apresentar um projeto para os VPs. Esperança. Ansiedade e animação. Aí, veio a rotação de estagiário e fui para a vida real. Agora, na nova posição, atuava mudando as cores do Power Point para apresentações que ninguém realmente estava interessado em ver. Mudava letra, cor, gráficos; enfim, tudo que achava uma perda de tempo sobremaneira. Seriam oito meses nessa função. No terceiro mês, desisti. Voltei para Rio Claro.
O que seria se tivesse lá ficado? Provavelmente, teria trilhado um caminho de carreira mais sinalizado do que o que escolhi. Mas até hoje, me pego pensando: fui fraco ou não fui teimoso? Era uma cilada, Bino? Ou a imaturidade intempestiva do jovem foi mais forte que eu? Não sei. Acho que um pouco de tudo. Não era o emprego ideal para o meu perfil, mas não precisava ter desistido. Apesar de odiar o que fazia, poderia ter esperado.
Depois dessa, desistir jamais; será?
Não consegui cumprir a promessa. Quando a pressão é muito alta ou quando não conseguimos enxergar as coisas melhorando na velocidade que queremos, desistimos. E pior: o julgamento se a decisão foi acertada ou atabalhoada só virá depois. Se tiver sucesso na vida, foi uma sacada. Enfrentou problemas? Então, foi um fracasso. É a velha máxima: besta ou bestial? Depende do seu sucesso no final.
Depois dessa, tive outras situações em que tomar a decisão pela mudança não foi fácil. E momentos em que a decisão de ficar foi mais complicada ainda. Pedir demissão da vaga de gerente de uma grande companhia com salário de bônus para receber é difícil. Manter-me na empresa que criei, recebendo três salários mínimos por dois anos, é muito mais complicado. E por que consegui? Porque aprendi a enxergar o que nos faz feliz e realizado: propósito e valores.
Quando fui firme durante toda a faculdade, o fiz porque tinha muito forte em meus valores a educação e o estudo. Para mim, desistir ou até trocar de curso me custaria mais do que seguir em frente. Já as demissões nas grandes empresas foram a mesma coisa. Para mim, construir algo do zero, para atender um propósito de democratizar um pouco do acesso que tive à educação, é muito forte. Quando alguém do meu círculo de amizades me questiona o porquê me mantive ganhando pouco e sofrendo de angústia crônica até o negócio parar de pé, o valor empreendedor explica o esforço. Se esse fosse um pouco mais fraco, eu teria desistido.
Olhando para as demais coisas na minha vida, nos momentos decisivos, vejo claramente o papel dos meus valores nas decisões que tomei. Seja nas relações familiares, no amparo aos amigos, nas ajudas solicitadas ou nos perrengues que vivi. Desistir ou seguir foi questão de valores. Por isso, chegando aos 40, brado em alto e bom tom: Jim Collins estava certo em sua metáfora da liderança nível 5. Como líder, você deve garantir que todos que estão na sua empresa compartilhem dos mesmos valores. Se alguém não tiver, não adianta continuar tentando. Numa hora decisiva e de dificuldade, essa pessoa não ficará no mesmo lado daqueles que compartilham os valores com você. Não há certo ou errado; só há momentos em que não conseguimos trair a nós mesmos.
Olhe para o lado e avalie: está cercado de pessoas que compartilham as suas crenças fundamentais? Vá em frente. Estarão ao seu lado mesmo que isso esteja nas entrelinhas. Se não houver, não adianta tanta gente próxima e feliz. A hora que o bicho pegar, não o vão querer por perto estragando as suas fotos instagramáveis. Simples demais. Sincero demais. Até nos textos, meus valores escapam.
—
Virgilio Marques dos Santos é um dos fundadores da FM2S, doutor, mestre e graduado em Engenharia Mecânica pela Unicamp e Master Black Belt pela mesma Universidade. Foi professor dos cursos de Black Belt, Green Belt e especialização em Gestão e Estratégia de Empresas da Unicamp, assim como de outras universidades e cursos de pós-graduação. Atuou como gerente de processos e melhoria em empresa de bebidas e foi um dos idealizadores do Desafio Unicamp de Inovação Tecnológica.