Heranças psicológicas deixadas pela tragédia no Rio Grande do Sul

A resposta ao estresse após a tragédia das enchentes do Rio Grande do Sul, vai ser inevitável e afetará cada vítima de forma distinta. Isso por que cada um sofre o impacto emocional de acordo com sua bagagem de vida, conforme suas perdas, suas experiências passadas e o seu estado psíquico.

É, sem dúvida nenhuma, uma tragédia de grandes impactos sociais e emocionais provocando inúmeras alterações na vida de todos. Um verdadeiro cenário de guerra que se instala de forma inesperada, pela força da natureza, obrigando o ser humano a compreender que ele não possui o poder de mudar ou controlar nada.

E é exatamente, por constatar isso, que indivíduo, de forma inconsciente, é invadido por sentimentos como: angústia, medo, insegurança. Dores que paralisam através da devastação do luto e que deixam heranças psicológicas traumatizantes, carregadas de muito sofrimento e tristeza que gostaríamos de apagar da memória.

A saúde psicológica da maioria das pessoas foi desnudada, pois está diretamente ligada aos seus direitos de posse e às suas liberdades. Ao tirar uma, ou as duas, as pessoas se desintegram emocionalmente. E é o que temos visto e ainda iremos presenciar por um tempo, pela necessidade do enfrentamento de desafios intensos.

E avaliando melhor esses desafios, o maior deles talvez seja a necessidade do indivíduo em ampliar a sua capacidade de adaptação em meio às perdas e ao luto. Naturalmente, nos sentimos mais confortáveis quando temos o controle de tudo. Quando o mundo se mostra previsível. Porém, a grande questão é que a necessidade em ter o controle das situações nas mãos é um sentimento intrínseco de nossa espécie, mas tudo o que é externo e nos foge ao controle, gera insegurança e medo e nos faz sentir cada vez mais vulneráveis.

Do ponto de vista psicanalítico, não temos boas notícias. A tendência natural é que a herança deixada após essa enchente no Rio Grande do Sul, esteja associada a um agravamento de transtornos emocionais, motivados por ansiedade, pânico, fobias sociais generalizadas, depressão, alterações de humor, insônias intensas, bipolaridade, entre outros.

Além disso, lidar com o luto também é um fator de atenção, pois, muitas famílias sofreram e sofrem essa dor, já que perderam pessoas queridas e próximas e também perderam seus pets. Saber lidar com o luto é um outro desafio que veio com força total nos últimos dias. Ou seja, essa atmosfera de incertezas, perdas, ansiedade e medo modificam nossas emoções e podem gerar ou até agravar transtornos psicológicos severos.

Portanto, a situação é muito grave. Pois, além do básico para viver, o emocional também está destruído. Olhamos para esse cenário de heranças negativas, na busca desesperada por ajudas e soluções. Afinal de contas, a resiliência é intrínseca ao ser humano.

É ela quem nos capacita para a superação dos obstáculos e desafios, de qualquer natureza, ao longo da vida. Estamos sendo desafiados a nos fortalecer de maneira que a percepção de nós mesmos se torne cada vez mais forte, para que assim possamos lidar com essa tragédia e ser forte e dar força e ajudar quem precisa de apoio em meio a dor.

As heranças negativas, neste caso, são inevitáveis e podem trazer impactos nocivos ao desequilíbrio emocional e psíquico das vítimas, porém colocar em prática o dom da flexibilidade, da empatia, da ressignificação, já é um bom começo para quem quer desenvolver ainda mais suas capacidades resilientes, promovendo o cuidado com a saúde física e mental, frente aos impactos sofridos nos últimos dias.    

   Dra. Andréa Ladislau / Psicanalista

Andrea Ladislau é doutora em Psicanalise Contemporânea, Neuropsicóloga. Graduada em Letras – Português/ Inglês, Pós graduada em Psicopedagogia e Inclusão Digital, Administração de Empresas Administração Hospitalar. É palestrante, membro da Academia Fluminense de Letras e escreve para diversos veículos. Na pandemia, criou no Whatsapp o grupo Reflexões Positivas, para apoio emocional de pessoas do Brasil inteiro.


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