Cuidado com o ego – e com um bom primeiro emprego

Virgilio Marques dos Santos, CEO da FM2S Educação e Consultoria

Ouça um bom conselho, eu lhe dou de graça. Citei o poeta para abrir o texto de hoje. Sempre tive a sorte de poder ouvir as pessoas mais velhas. Quantos conselhos recebidos que evitaram a famosa “dor e sofrimento”. E outros tantos que só fizeram sentido depois, quando tive maturidade para apreciá-los.

Em homenagem aos gigantes que tantas dicas me deram, resolvi escrever dois deles para disseminar um pouco desse saber de domínio público tão importante para a construção de uma carreira sólida.

O pior que pode acontecer a um jovem profissional é ter um bom primeiro emprego

Quando ouvi isso, de um colega mais velho, fiquei descrente. Como alguém, em início de carreira, poderia se prejudicar ao conseguir um bom emprego? Na época, fazia meu doutorado, dava aulas noturnas e ainda prestava algumas consultorias pontuais para fechar minhas contas. Era bastante trabalho para pouca sobra ao final do mês.

Ele era consultor e também professor, assim como eu. Mas estava com 50 anos e eu, 25. Ele, então, me disse: “Se você consegue um emprego bom, a tendência é se acomodar. E acomodar-se aos vinte e poucos anos poderá gerar uma lacuna de desenvolvimento que custará caro aos 40 e será frustrante aos 60. O ideal, Virgilio, é um emprego que o tire da zona de conforto e faça você se desenvolver no limite de sua capacidade”.

Em resumo, se você está num emprego ruim, não se acomodará e lutará por uma oportunidade melhor. Se está num ótimo emprego, o seu desenvolvimento se dará pela imposição do meio. Já o bom emprego não forçará você a buscar algo novo e nem a se desenvolver. E isso, no início da jornada, é perigoso.

Na época, confesso que fiquei com isso na cabeça. Me intrigou tal afirmação – que, à priori, achei falácia. Queria eu, naquela época, um bom emprego. Hoje, depois de tantos desafios e lacunas trabalhadas, vejo que ele tinha razão.

Se tem uma coisa que destrói uma empresa ou um time, é o ego

Ego, segundo o dicionário Michaelis, experiência que o indivíduo possui de si mesmo, ou concepção que faz de sua personalidade. E a concepção que cada um tem de si mesmo é algo sujeito a muita interferência do meio. Se o sujeito está sob uma chuva de sinais, ou melhor, rodeado de “puxa-sacos”, a chance de se auto enganar é grande.

O grande físico Richard Feynman dizia que não há melhor pessoa para enganar você do que você mesmo. Peguemos um caso típico, de alguém que teve poucas oportunidades na vida e pouco acesso à cultura e à educação formal. Faça essa pessoa passar por vários desafios na vida e inúmeros fracassos. Depois, considere que esse indivíduo identifique uma oportunidade de negócio em que ele tenha 5% de chance de acertar. Mas, mesmo assim, essa pessoa arrisca tudo que tem e acerta.

Identificou alguém assim? Eu poderia citar vários empreendedores e empreendedoras que se enquadram nessa descrição. Qual seria a concepção desse indivíduo sobre ele mesmo? Se você pudesse lhe perguntar sobre as causas do seu sucesso, qual você acha que seria sua resposta? Será que o fator sorte estaria na equação ou só restaria uma série de episódios memoráveis que enalteceram sua habilidade empreendedora? Aposto que a maioria atribuiria o seu sucesso a méritos próprios. Poucos atribuíram as chances que aproveitaram e a aleatoriedade.

Agora, imagina essa pessoa conduzindo uma empresa que está em franco crescimento com os desafios e as complexidades aumentando. O que você acha que irá ocorrer quando alguém contrapuser suas decisões – ou melhor, questioná-la sobre seu entendimento da real situação que a empresa irá enfrentar? O ego irá se sobrepor e as chances de embate serão enormes. Já vi inúmeros casos de profissionais excelentes serem colocados para fora da empresa porque foram contra a visão do fundador, mesmo que esse estivesse errado.

Suportado pelo sucesso do passado, empreendedores ou grandes executivos tomam decisões totalmente descabidas e afastam os bons profissionais. Como não há espaço vazio nas empresas, essas lacunas são logo ocupadas por puxa-sacos que afagam o ego do fundador e levam o negócio à bancarrota.

Por isso, cuidado. Contar com a sorte uma vez faz parte do jogo. Contar com a sorte a profissão de fé sempre costuma dar problema.

Como última dica, procure identificar situações em que esses dois conselhos, abordados neste texto, possam se encaixar. Ou seja: 1- não se acomode logo numa primeira “boa” oportunidade; 2- cuidado com ego(s). É a melhor maneira de aprender um novo conhecimento.

Toda vez que descubro algo, tento estressar o modelo e ver onde consigo aplicá-lo. Todo modelo é errado, pois é apenas uma representação limitada da realidade. Entretanto, vários vão ajudá-lo a entender muita coisa e a sair de boas enrascadas. E, se tiver sob a liderança de um chefe que toma decisões baseadas em sua percepção de si mesmo, cuidado. Talvez esse ambiente não seja próspero no longo prazo.

Virgilio Marques dos Santos é um dos fundadores da FM2S, doutor, mestre e graduado em Engenharia Mecânica pela Unicamp e Master Black Belt pela mesma Universidade. Foi professor dos cursos de Black Belt, Green Belt e especialização em Gestão e Estratégia de Empresas da Unicamp, assim como de outras universidades e cursos de pós-graduação. Atuou como gerente de processos e melhoria em empresa de bebidas e foi um dos idealizadores do Desafio Unicamp de Inovação Tecnológica.


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