Das exigências ao tempo de cada etapa, veja a importância do processo jurídico e afetivo para a Adoção de crianças e adolescentes
Há mais de 20 anos nesse percurso, a Angaad (Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção), trabalha informando, prestando apoio e conscientizando não somente os interessados em participar do processo, como também toda a comunidade brasileira.
“Por se tratar de uma construção que atravessa diversas fases, desde a decisão pela Adoção até sua concretização, os grupos de apoio desempenham um papel essencial no fortalecimento de conexões afetivas”, conta Jussara Marra, atual Presidente da Associação.
Início do Trajeto
Os Grupos de Apoio à Adoção, que são mais de 200 em todo o Brasil, ajudam nessa construção afetiva. Seu foco é encontrar famílias para as crianças e os adolescentes acolhidos e aptos à Adoção. Além do apoio à preparação dos acolhidos, também é fundamental a preparação dos adultos que pretendem se tornar pais e mães por Adoção. A preparação de ambos tem características peculiares.
Para minimizar a ansiedade comum aos pretendentes, os Grupos de Apoio à Adoção favorecem trocas de experiências e levam orientações, palestras e capacitações. Antes do primeiro passo formal, é importante amadurecer a decisão de adotar.
O primeiro passo a partir da decisão é a habilitação para Adoção, procedimento que tramita no Fórum da comarca em que os pretendentes residem, sem a necessidade de constituição de advogado. Ela tem início por meio do pré-cadastro, realizado no site do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que é feito pelos próprios pretendentes.
Basta acessar a aba do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) e preencher o formulário específico. Primeiramente, são fornecidos dados pessoais, seja em Adoção solo ou conjunta, por pessoas casadas ou vivendo em união estável, sendo indiferente a orientação de gênero.
“Ao finalizar o pré-cadastro, o pretendente recebe um número de protocolo, munido do qual deve se dirigir ao Juízo responsável por processar o pedido de habilitação, para juntar os documentos listados no sistema. A depender do local onde resida, pode ser que a habilitação e, posteriormente, a Adoção tramitem perante a Vara da Infância e Juventude ou, nas comarcas em que não tenham vara especializadas, na Vara Cível”, detalha Cláudio Medeiros, Diretor Jurídico da Angaad.
Os documentos necessários, segundo o site do Conselho Nacional de Justiça, na aba dedicada à Adoção, são:
1) Cópias autenticadas da certidão de nascimento ou casamento, além de declaração relativa ao período de união estável, se for o caso;
2) Cópias da cédula de identidade e da inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF);
3) Comprovante de renda e de residência;
4) Atestados de sanidade física e mental;
5) Certidão negativa de distribuição cível;
6) Certidão de antecedentes criminais.
Esses documentos estão previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente, mas é possível que outros documentos sejam exigidos, conforme o estado ou a comarca. Por isso, é importante entrar em contato com a unidade judiciária e conferir a documentação.
A habilitação dos pretendentes, quando vier a ser deferida, valerá paralelamente para a comarca e para o SNA, que abrange todo o país. Por isso, quando do preenchimento do pré-cadastro, junto ao SNA, os pretendentes também farão a escolha pelas localidades das quais desejam receber contatos do Judiciário acerca da existência de crianças ou adolescentes. Pode ser na região onde o interessado se encontra, regiões próximas, outros estados e por todo o território nacional. Todavia, como fica a cargo do pretendente arcar com os custos de um eventual deslocamento até o local onde a criança ou o adolescente está, essa escolha inicial requer ponderação sobre a disponibilidade de viagem, em termos de tempo e de custos, por exemplo.
Ainda sobre o pré-cadastro, é importante dizer que essa é a primeira oportunidade na qual os pretendentes informarão as características da criança ou do adolescente pretendido. Indicarão gênero, faixa etária, raça, etnia, se gostaria de adotar irmãos, se há disponibilidade em relação a problemas de saúde ou deficiências etc. Isso traz algumas dificuldades, porque nem sempre as pessoas estão preparadas para uma definição madura, neste momento. É possível, porém, fazer a alteração dos parâmetros iniciais, bastando procurar o Juízo responsável pelo processamento da habilitação.
Passando ao procedimento em si, tão logo recebido o pedido de habilitação, o procedimento será encaminhado ao Ministério Público, que verificará o atendimento aos requisitos legais para seu regular processamento.
Análise Técnica
Estando tudo certo, passa-se à próxima fase, de avaliação técnica, realizada por equipe multidisciplinar dos quadros do Judiciário ou nomeada por ele. Serão realizadas entrevistas e visitas por psicólogos e assistentes sociais, a fim de conhecerem a realidade, as motivações e a segurança dos pretendentes.
Emitidos os relatórios, o Ministério Público recebe novamente o procedimento, para seu parecer quanto à habilitação dos pretendentes. O prazo de tramitação da habilitação, previsto pelo ECA, é de até 120 dias, mas pode ser prorrogado pelo Juízo. A validade da habilitação em si, após concluída, é de três anos, devendo ser renovada, por iniciativa dos pretendentes se, ao final de tal período, ainda não tiverem encontrado seus novos filhos.
É importante destacar que o ECA prevê, ainda, a necessidade, durante a habilitação, de uma preparação psicossocial e jurídica, a qual não foi, até o momento, regulamentada em bases mínimas. Ela acontece de forma extremamente diversa em cada comarca. Os Grupos de Apoio à Adoção frequentemente se oferecem ou são chamados a colaborar oficialmente com o Judiciário nessa preparação.
Tudo cumprido e devidamente habilitados, os pretendentes passam efetivamente ao tempo de espera, na comarca e no SNA. Respeitada a preferência por quem foi habilitado antes, seus dados e pretensões vão ser cruzados com os perfis de crianças e adolescentes aptos à Adoção. No SNA, quando ocorre o que o chamado “match”, ou seja, o encontro positivo entre perfis, os profissionais do Juízo da comarca em que a criança ou o adolescente está acolhido fazem contato com o pretendente, com informações sobre a criança ou o adolescente e, a partir daí, verificam se há interesse em conhecê-lo.
“O tempo na fila varia bastante, a depender de diversos fatores, mas, em geral, os perfis de 0 a 4 anos são os que acabam levando mais tempo, havendo relatos de espera de cinco a oito anos. Quem procura e está apto a adotar crianças mais velhas ou adolescentes espera menos tempo. O mesmo acontecendo com grupos de irmãos, crianças e adolescentes com deficiência. No entanto, a pressa pela chegada do filho não deve ser o fator de motivação para ampliação de perfil, devendo-se sempre respeitar os limites e desejos internos de cada pretendente.”, pontua Cláudio.
A tão esperada ligação
Quando ocorre o contato pela equipe do Juízo, são passadas todas as informações acerca do perfil e do histórico da criança ou do adolescente aos pretendentes, a quem cabe decidir por dar o próximo passo, com agendamento de visita para conhecer pessoalmente aquele que pode vir a se tornar seu filho, ou não.
A lei prevê que, a partir da terceira recusa para prosseguir no processo, seja diante de contato telefônico do Juízo, seja após conhecer o histórico da criança ou do adolescente, os pretendentes são submetidos a nova avaliação, a fim de perquirir se desejam seguir habilitados.
Decidido pelo encontro, tudo é pensado, organizado e acompanhado pela equipe técnica do Judiciário, levando em conta as peculiaridades de cada caso.
Tem então início o período de aproximação, que consiste em visitas, nas quais os potenciais futuros pais e filhos podem interagir e iniciar a formação de vínculos. O número de encontros e a duração dessa etapa não é estabelecida em lei. Podem ser dias, semanas e até meses. São levadas em conta as necessidades e a rotina dos envolvidos, com especial atenção à segurança da criança ou do adolescente, podendo haver encontros fora do ambiente do acolhimento, incluindo passeios e a visita à casa dos pretendentes.
Os pretendentes, a partir do momento que sinalizam positivamente para a aproximação e início do estágio de convivência, assumem a responsabilidade, inicialmente, de darem continuidade a esse contato nos moldes traçados pelos profissionais envolvidos no caso. É ainda obrigação noticiar imediatamente quaisquer dificuldades que porventura se apresentem, bem como eventual interesse em interromper o estágio de convivência, para que o distanciamento gere o menos possível de danos.
Enfim, em casa!
Somente após avaliação positiva da vinculação, em estudo feito pela equipe técnica responsável pela aproximação, é concedida a guarda provisória para fins de adoção, documento que torna os pretendentes legalmente responsáveis pela criança ou adolescente.
“Da primeira ligação da Vara da Infância e do Adolescente até o dia em que me tornei guardião e pai de duas meninas, de 7 e 9 anos, foram exatos 94 dias. No decorrer desse tempo, vivemos o emocionante primeiro encontro, fiz as visitas ao acolhimento, tivemos as saídas aos fins de semana e, por fim, aconteceu a liberação final da Juíza. Tudo muito bem construído e informado”, afirma o jornalista Danilo Costa, que acabou de adotar sozinho duas irmãs em São Paulo.
A partir desse momento, a criança ou o adolescente se torna dependente dos guardiões, para todos os fins, inclusive previdenciários, podendo também ser inserido em planos de saúde. Também é nesse momento que têm início as licenças maternidade e paternidade.
Agora, é Adoção!
A ida da criança ou do adolescente para a nova casa, sob guarda provisória para fins de Adoção, é o início do processo em si.
Nesse momento, os guardiões podem constituir advogado ou Defensor Público, mas a lei dispensa essa representação nos processos de Adoção. Ao final, quando proferida sentença, da qual não caiba mais recurso, será expedido mandado para emissão da nova Certidão de Nascimento.
“A sentença da Adoção, após o transito em julgado, é a materialização de laço irrevogável. Ela dá segurança jurídica aos pais e aos filhos em relação aos vínculos afetivos que já se constituíram”, afirma Cláudio Medeiros.
Na certidão nova constarão os dados dos pais e dos avós adotivos, sem referência à origem biológica, já que a lei impede qualquer distinção entre filhos adotivos e consanguíneos. Porém, o filho por adoção tem o direito de buscar suas origens, quando completar a maioridade.
Sabe-se que essa procura pela origem, tantos anos depois, é delicada e difícil, mas é um direito do filho. O ideal é que o filho possa, se for seguro, manter contato com sua família biológica desde sempre. Faz parte do respeito ao passado dele. A Adoção, no Brasil, tem caminhado nesse sentido, valorizando a História de vida da criança e do adolescente que encontrou nova família… mas isso é assunto para outra matéria!
Os Grupos de Apoio
Apoio contínuo à nova família é oferecido por Grupos de Apoio à Adoção em todo o país. Constituídos como associações sem fins lucrativos, ONGs ou Oscips, os grupos realizam trabalhos voluntários de extrema relevância, com encontros, debates, capacitações e projetos voltados para a garantia dos direitos de crianças e adolescentes, em relação à Adoção. As atividades são abertas a todos. Algumas são focadas individualmente na espera de quem já está habilitado (pré-Adoção) ou mesmo de quem já recebeu seus filhos (pós-Adoção). Há também apoio dos Grupos nos campos jurídico, psicossocial e pedagógico, entre outros, sempre com suporte da Angaad.
A importância deles reside, dentre outros pontos, na conscientização sobre o que é a Adoção real. Eles trabalham na desmistificação, na preparação para os desafios e alegrias e na solução de dúvidas, além, claro, do apoio à formação e ao fortalecimento de vínculos na nova família.
Para Cláudio Medeiros, quanto mais participação, melhor. “Não é algo obrigatório por lei, mas as atividades dos Grupos ajudam muito na formação e manutenção da família adotiva. Desde o pré-Adoção, os Grupos ajudam o pretendente, a partir das interações e capacitações, a consolidar sua decisão de adotar, a ampliar suas possibilidades de encontro do filho ou da filha e a se preparar para as peculiaridades da nova relação filial. Também ajudam a criança e o adolescente a se prepararem para a nova família”.
Ainda sobre o acompanhamento das famílias após a chegada dos filhos, Jussara relata que “Não existe uma previsão legal de tempo de acompanhamento do Judiciário no pós-Adoção. Assim, esse trabalho acaba ficando a cargo dos GAAs (Grupos de Apoio à Adoção)”.
O trabalho mais amplo desses grupos, voltado para a sociedade, visa a conscientização cada vez maior sobre a Adoção. Divulgar e construir atitudes adotivas é a estratégia que a Angaad usa para superar os tabus que ainda envolvem o tema.
Observações
1) É possível que uma criança ou um adolescente acolhido e cadastrado no SNA não esteja totalmente destituído ou desvinculado do poder familiar (aquele que antigamente era conhecido como “pátrio poder”). Nesse caso, haveria apenas a liminar de suspensão do poder familiar e de inclusão no Sistema. No entanto, em nenhuma hipótese há que se cogitar a adoção de crianças e adolescentes que estejam regularmente inseridos em seus lares biológicos, seja núcleo reduzido, seja família extensa.
2) O crime previsto no art. 242 do Código Penal (dar como seu parto alheio e registrar como próprio um filho de terceiro) é comumente chamado de “adoção à brasileira”. Não é uma modalidade de Adoção, mas um crime, além de causar extrema insegurança para crianças, adolescentes e pais.
Sobre a Angaad
A Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção é uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, que congrega e apoia os GAAs. Ela trabalha pela convivência familiar de crianças e adolescentes.
Presente em todas as regiões do Brasil, a ANGAAD atua, desde 1999, de forma voluntária. Segue as diretrizes do ECA e representa os grupos junto aos poderes públicos e às organizações da sociedade civil, em ações que desenvolvem e fortalecem a cultura da Adoção.
A nova diretoria da ANGAAD, com gestão entre 2023 e 2025, é composta por Jussara Marra (presidente), Antônio Júnior (vice-presidente), Ingrid Mendes (secretária), Gilson Del Carlo (tesoureiro), Francisco Cláudio Medeiros (diretor jurídico), Sara Vargas (diretora de relações públicas), José Wilson de Souza (diretor financeiro), Erika Fernandes (diretora de comunicações), Eneri Albuquerque (diretora técnica) e Hugo Damasceno (diretor de relações institucionais).