CNJ flexibiliza regras para divórcios e inventários em cartório, incluindo menores de idade e incapazes
Em uma decisão que promete causar polêmica entre juristas e defensores dos direitos de menores e incapazes, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, na última terça-feira (20/08), uma medida que flexibiliza as regras para a tramitação de divórcios, inventários e partilhas de bens em cartório. A nova resolução permite que esses procedimentos sejam realizados de forma consensual diretamente nos cartórios, mesmo quando envolvam herdeiros menores de 18 anos ou considerados incapazes.
A mudança altera a Resolução CNJ 35/2007 e representa um marco na desburocratização do sistema judiciário brasileiro, promovendo uma simplificação nos processos que, até então, exigiam tramitação judicial. Para o CNJ, a medida busca agilizar os processos e diminuir o volume de casos nos tribunais, permitindo que situações de consenso sejam resolvidas de maneira mais rápida e eficaz fora do ambiente judicial.
Contudo, a decisão não passou sem levantar debates acalorados. Enquanto alguns especialistas defendem a medida como um avanço na celeridade da justiça e na autonomia das partes envolvidas, outros apontam para os riscos que a flexibilização pode trazer, especialmente no que diz respeito à proteção de menores e incapazes.
Potenciais Impactos e Riscos
Advogados e representantes do Ministério Público expressaram preocupações sobre a medida. A principal crítica reside na proteção dos interesses de menores e incapazes, que agora podem ser envolvidos em decisões de grande impacto patrimonial fora do ambiente judicial, onde a presença de um juiz e de promotores normalmente garantem um controle mais rigoroso e uma maior proteção aos direitos desses indivíduos.
“A proteção de menores e incapazes sempre foi um pilar fundamental do direito de família e sucessório. A decisão de permitir que esses casos sejam resolvidos em cartório pode abrir espaço para abusos e decisões precipitadas”, afirmou o advogado Ricardo Mendes, especializado em direito de família.
Organizações de defesa dos direitos das crianças e adolescentes também se manifestaram contra a flexibilização. Para eles, a mudança pode enfraquecer a proteção legal desses grupos, uma vez que decisões importantes e complexas, que impactam diretamente a vida e o futuro dos menores, serão tomadas sem a devida análise judicial.
Defesa e Justificativas do CNJ
Em defesa da resolução, o CNJ argumenta que a medida não dispensa a participação de advogados e do Ministério Público em casos envolvendo menores e incapazes. A resolução prevê que, mesmo em cartório, o interesse dos menores deve ser preservado, e que a homologação pelo cartório só ocorrerá com a presença de advogado ou defensor público, que tem a responsabilidade de assegurar que os interesses dos menores sejam adequadamente defendidos.
Ademais, o CNJ destaca que o procedimento extrajudicial é uma opção para situações de consenso e que, em casos de litígio ou ausência de acordo entre as partes, o caminho judicial continua sendo obrigatório. “Estamos criando alternativas para processos que hoje já não são contestados. É uma maneira de otimizar o sistema judiciário sem abrir mão da segurança jurídica”, afirmou Maria Clara Brito, conselheira do CNJ.
Mudanças no Sistema Judiciário
O impacto da decisão também se estende ao funcionamento dos cartórios, que devem se preparar para um aumento no número de processos a serem tratados. Para que possam lidar com a nova demanda e garantir a proteção dos envolvidos, é esperado que os cartórios reforcem suas equipes e invistam em capacitação.
Além disso, a medida pode sinalizar uma tendência mais ampla de desburocratização e desjudicialização de processos, um movimento que muitos acreditam ser necessário para enfrentar o acúmulo de processos na justiça brasileira. Ainda assim, o debate sobre a extensão da autonomia concedida em tais casos está longe de ser encerrado.
Em um país onde o direito à ampla defesa e ao devido processo legal são garantias constitucionais, a flexibilização proposta pelo CNJ coloca em evidência a tensão entre eficiência e proteção legal, marcando um novo capítulo na constante evolução do sistema judiciário brasileiro. A medida, sem dúvida, promete ser objeto de intensos debates e, possivelmente, de futuras revisões ou adaptações à medida que seus efeitos forem percebidos na prática.