Bancos tiveram custo de, pelo menos, R$ 14,2 bilhões com fraude na Americanas
A fraude contábil que levou a Americanas à recuperação judicial há um ano teve um custo de, pelo menos, R$ 14,2 bilhões para os grandes bancos do País. Esse foi o valor que as instituições credoras da rede varejista separaram em provisões adicionais contra uma possível inadimplência da companhia, diante do processo de proteção contra execuções de dívida e dos atrasos no fechamento do acordo, assinado em novembro do ano passado. Com essas reservas extras, o lucro dos bancos ficou menor.
Parte dos maiores credores da rede separou recursos o suficiente para cobrir um calote de 100% da dívida da empresa já nos balanços referentes ao ano de 2022, divulgados semanas após a comunicação do rombo. Esses foram os casos de Bradesco e Itaú Unibanco, por exemplo.
O Banco do Brasil, que inicialmente provisionou metade do crédito, elevou a exposição a 100% do total no segundo e no terceiro trimestres, diante do atraso no acordo com a companhia. Outros bancos fizeram movimento similar.
O “custo Americanas” começou a surgir nos balanços do quarto trimestre de 2022, em que muitos bancos fizeram um colchão para possíveis perdas com os créditos da companhia de forma preventiva. Naquele momento, os empréstimos da rede ainda não haviam entrado em atraso, mas com a divulgação de um rombo que chegou a R$ 25,2 bilhões e a recuperação judicial, os bancos preferiram envergar o escudo antes que isso acontecesse.
Embora tenha saído relativamente rápido, em menos de um ano, o acordo entre a empresa e os credores atrasou diante da falta de demonstrações financeiras auditadas, publicadas somente em novembro. Neste período, os empréstimos da Americanas começaram a atrasar, o que obrigou os bancos a elevarem as provisões.
Ao todo, a Americanas tem R$ 36,8 bilhões em dívidas com credores financeiros, o que inclui, além dos bancos, os detentores de títulos de dívida emitidos no Brasil e no exterior. Esse grupo poderá participar da capitalização da companhia com um montante total de R$ 12 bilhões. O restante da dívida será refinanciado ou recomprado pela empresa.
Isto significa que os bancos passarão a ser acionistas da rede, com uma fatia de até 48% do capital. Como as dívidas vão virar ações, a recuperação de crédito se dará, na prática, com a venda dos papéis em bolsa, que os bancos poderão fazer de forma escalonada nos três anos seguintes. Mas é improvável que a venda aconteça rapidamente. Cada ação será subscrita a R$ 1,30, ante uma cotação de cerca de R$ 0,90 na B3. Ou seja, se a capitalização já tivesse ocorrido e os bancos vendessem ações hoje, “perderiam” dinheiro.
Desenrolar
A conversão de dívidas foi proposta pelo trio de acionistas de referência, formado por Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, logo no início das discussões, em janeiro de 2023, mas inicialmente foi rechaçada.
Os bancos aceitaram a ideia após os três empresários aumentarem a proposta de aporte: inicialmente, ofereceram R$ 6 bilhões, valor elevado para R$ 7 bilhões nas primeiras negociações após o pedido de recuperação judicial, para R$ 10 bilhões posteriormente e, por fim, para R$ 12 bilhões, após uma demanda liderada pelo BB ao longo do primeiro semestre. Inicialmente, os bancos falavam em ao menos R$ 15 bilhões, mas acabaram aceitando menos.
Na visão de um executivo de uma das instituições, o aumento do valor oferecido ajudou a destravar as conversas, o que explica como a Americanas conseguiu fechar um acordo e aprovar o plano em uma assembleia de credores menos de um ano após a revelação da fraude.
Outro ponto que fez com que os bancos e a rede convergissem foi o risco sistêmico de uma eventual quebra da Americanas. Uma das maiores varejistas do País, a empresa tem milhares de fornecedores, de diferentes portes, que também tomam empréstimos junto às instituições. Deixá-la minguar poderia gerar um efeito cascata sobre a qualidade dos ativos de outros clientes.
Condições
Com as negociações, os bancos conseguiram condições mais favoráveis que nas propostas iniciais. Um dos pontos que constam do plano, por exemplo, é a previsão de que as instituições que utilizaram depósitos para liquidar empréstimos da Americanas terão essas compensações reconhecidas. Desta forma, o montante de dívida que foi abatido não será submetido aos descontos e prazos da recuperação judicial.
Antes de recorrer à recuperação judicial, a Americanas entrou com uma tutela de emergência para evitar execuções de dívida, no dia 13 de janeiro do ano passado. Entre os dias 11 e 13, alguns bancos credores começaram a executar débitos da companhia, utilizando depósitos da empresa para liquidar esses vencimentos antecipados.
Essas operações geraram a primeira guerra jurídica entre os bancos e a Americanas, cuja defesa questionou as compensações utilizando a concessão da tutela de emergência como escudo. As disputas acabaram abandonadas ao longo das negociações.
Pelos termos do plano aprovado pelos credores em dezembro, todas as compensações serão reconhecidas, desde que o credor não vá à Justiça contra a empresa. Os maiores montantes são os de BTG, BV e Bradesco, de acordo com fontes, sendo que o do BTG é de cerca de R$ 1,2 bilhão. Com isso, a dívida da companhia junto a esses bancos será reduzida. No caso do BV, irá a zero, o que significa que a instituição não participará da conversão de dívida.
Há contrapartidas de crédito. A cada R$ 1 de compensação, os bancos se comprometeram a conceder mais R$ 1 em limite para que a Americanas antecipe recebíveis de cartão de crédito ou para que contraia linhas de fiança.