“Amar elos Vermelhos”: livro premiado da escritora pernambucana Márcia Meira Basto ganha nova edição
Vencedor dos Prêmios Literários da Cidade do Recife, obra híbrida, que mescla conto, poesia e prosa poética, volta a circular em nova publicação pela Editora Labrador
“Adélia e Clarice, tudo que escrevem é poesia, mesmo quando dizem que estão apenas prosando. Com Márcia é a mesma coisa. Como classificar o conjunto dos textos que ela ora nos apresenta? Conto? Romance? Prosa poética? Não. Poesia pura.“
Trecho do prefácio por Antonio Guinho
O resgate à infância, transição e vida adulta. Esta é a premissa central do livro de prosas poéticas da escritora pernambucana Márcia Meira Basto, “Amar elos Vermelhos” (128 pág.). A obra foi originalmente publicada em 2005, como vencedora do Prêmios Literários da Cidade do Recife, na categoria Ficção, e atualmente está sendo relançada pela Editora Labrador. A autora é Mestra em Filosofia, tendo pesquisado identidade e alteridade na obra de Clarice Lispector.
“Amar elos Vermelhos” traz uma única personagem cuja vida é mapeada a partir das cores amarelo e vermelho, que também representam os dois capítulos principais do livro. Dessa forma, o amarelo é atribuído a um senso de inocência, em que a protagonista é apresentada como Menina e, o vermelho, ao feminino adulto, em que a mesma passa a se chamar Mulher. “São contos do feminino que almejam salvar o mundo pela palavra, ao narrar a passagem da meninice para a idade adulta”, descreve a autora.
O trato impessoal da personagem sugere a leitura de uma experiência coletiva, abordando experiências que são de fácil identificação para as mulheres, como a menstruação, a transgressão de desobedecer aos pais e a paixão madura. Nos textos que compõem o epílogo, porém, Márcia se coloca, ela própria, como personagem, narrando o processo de criação da obra.
Embora possa ser encarada como uma trajetória narrativa de Menina/Mulher, “Amar elos Vermelhos” não é um romance. Na verdade, cada capítulo é composto por episódios singelos, separados um do outro. Essa dificuldade em classificar a obra reflete uma qualidade da escrita de Márcia, que é a sua hibridez.
Ao falar sobre o gênero que escreve, a autora afirma se identificar com a prosa poética, que une recursos como metáforas e sinestesia ao texto linear e se faz cada vez mais presente na literatura contemporânea. O livro também se destaca pelo seu estilo de escrita fortemente imagético, sensível e experimental, que costuma ser mais associado à poesia.
Uma escritora das entrelinhas: conheça Márcia Meira Basto
Aos 73 anos, a recifense Márcia Meira Basto dedica a vida apenas à literatura e ao convívio com os netos. Ao longo de sua vida, ela conta que trilhou por diversos caminhos, tendo atuado como advogada, procuradora do Estado, astróloga, contadora de histórias, arte-terapeuta e prestadora de serviços voluntários. Além disso, como já citado, é Mestra em Filosofia, tendo pesquisado identidade e alteridade na obra de Clarice Lispector.
Sua história com a escrita se inicia ainda na infância, sendo ela uma criança que gostava de fabular. Mais para frente, esse hábito encontrou chão na literatura. “Nunca me conformei com explicações lineares. Através da palavra encontrei um meio de descobrir minhas múltiplas identidades, pois somos muitos em um só”, conta Márcia.
No seu processo criativo, essa busca se mantém acesa. Para ela, a criação artística é um portal de entrada para mundos inéditos produzidos por “palavras, imagens, cores, sons, texturas e movimentos”, que não para em definições lineares. Deste modo, ela revela valorizar “a importância das entrelinhas, do não-dito”, descrevendo sua escrita como “visceral”. Suas principais referências são os escritores Clarice Lispector, Haruki Murakami, Milan Kundera, Herman Hesse, Annie Ernaux, Manoel de Barros e Gaston Bachelard.
Márcia é autora de nove livros, dentre eles o ensaio “Clarice, Clarear o leitor de si mesmo em Clarice Lispector” (Ed. Bagaço, 1995.), a novela “Marion” (1999) e os premiados “Desejos e Histórias” (1998) e “Amar elos Vermelhos” (2005), que venceram os Prêmios Literários da Cidade do Recife. Ela afirma que o seu objetivo como escritora é “fazer com que os leitores ao reescreverem o livro, através da leitura, possam ampliar o autoconhecimento e a cosmovisão”.
Confira um trecho do conto “Amarelos”, do livro “Amar elos e Vemelhos”:
“Amarelos irradiando a alegria da infância. Reluzindo no olhar da Menina. Espalhando-se pelos campos onde sonhos serão construídos.
Amarelos dos girassóis ardentes de Van Gogh ladeando os caminhos a serem percorridos. Amarelos das auroras plenas de luz, dos despertares para a magia de cada dia. Onde a Menina, frente a um riacho com mangueiras e árvores floridas, adivinhará um futuro ensolarado. Escutará a sinfonia de pássaros cantando os amarelos da liberdade de um voo.
Amarelos dos contentamentos pelas lambidas de beijo do seu cachorro. Das brincadeiras de amarelinha, pega-pega, queimada, esconde-esconde e tantas outras inventadas a partir das coisas desimportantes. Da desco- berta dos sapos transformados em príncipes.”