Cicinho conta bastidores do Real Madrid: “Os brasileiros adaptavam baladas em suas casas”
O ex-lateral-direito Cicinho, com passagens marcantes por São Paulo, Real Madrid e Seleção Brasileira, concedeu entrevista exclusiva ao Torcedores.com e relembrou episódios marcantes que viveu no clube espanhol e na Europa. Foram momentos intensos dentro e fora de campo, e o convívio com estrelas que faziam parte do time intitulado “Galácticos”, que desfilou nos gramados de 2003 a 2006. No começo de sua trajetória por lá, ele conta que ficava após os treinamentos para aprender com David Beckham e Roberto Carlos.
“Eu aprendi muito com eles, Zidane, Beckham, Roberto Carlos… Quando eu cheguei ao Real ficava depois do treino com eles. Eles colocavam um golzinho de cada lado do campo e ficavam tentando fazer o gol sem deixar a bola quicar. Eu era quem buscava a bola pra eles, mas aí comecei a devolver fazendo uma batida diferenciada, já treinando lançamentos e de olho nas batidas que eles faziam”, conta.
Em termos de proximidade com os estrangeiros da época, ele conta que o inglês foi quem manteve maior contato.
“Com o Beckham eu tive um contato bom fora do campo. Ele vinha à nossa casa, tivemos celebrações de aniversários das famílias juntas. Eu sempre estava presente, ele era muito participativo também. Conversávamos em espanhol, mesmo. Ele me dizia: ‘Você é o atacante e eu sou o lateral. Pode subir que vou te cobrir aqui’. Não era vaidoso dentro de campo. Ele, sendo europeu, com maior disciplina tática e um jogo mais posicional, defendia o meu setor quando eu atacava. Eu, como era mais peladeiro, tocava e passava mesmo. Se errasse, ele estaria ali para me cobrir.”
Logo em sua chegada ao clube da capital espanhola, Cicinho afirma que a camisa 11 era a única que estava vaga, e por sua velocidade rendeu uma comparação com um ídolo histórico do clube, nada menos que Paco Gento, ponta-esquerda velocista que defendeu o Real entre 1953 e 1971, com 23 títulos conquistados e 182 gols marcados. Dos jogadores espanhóis daquele elenco, segundo ele, apenas um culminou em uma relação de amizade.
“A camisa 11 era a que estava vaga. Na apresentação me pediram para eu pegar a 11 e era histórica no clube, pois foi usada pelo Gento, e me disseram que como eu era muito veloz, assim como ele, combinava. O Michel Salgado não me deu muita moral quando eu cheguei no clube, mas entendo, ele estava há mais de dez anos como titular e se sentiu ameaçado. Eu, por ser estranegeiro, e logo ter começado a jogar, é natural que eu não tenha tido essa receptividade por parte dele. Mas depois passou a me tratar bem. O Raúl também era mais fechado, na dele. Mas nem todos os espanhóis eram assim, por exemplo, o Sérgio Ramos, tivemos um convívio muito bacana, ele estava direto com os brasileiros. A gente chegou a morar no mesmo condomínio, o La Moraleja.”
Sair às ruas de Madrid era uma missão impossível, de acordo com Cicinho. Os galácticos contavam com cobertura ferrenha da imprensa e algumas alternativas curiosas eram tomadas, como a criação de baladas próprias nas casas dos brasileiros.
“Em Madri era impossível sair, tinha paparazzi em todo lugar. Foto de qualquer atleta do Real vendia. Tínhamos que sair disfarçados para jantar. Ao sair do restaurante, tinha paparazzi embaixo do carro. Sair na balada, não tinha como. Tanto que, nós brasileiros, Ronaldo, Roberto Carlos e Júlio Baptista, tínhamos um espaço em nossas casas para fazer uma baladinha. Era um espaço adaptado para isso. Para fazermos confraternizações entre os jogadores, só nas casas mesmo.”
Ida para Roma
Cicinho foi negociado pelo Real Madrid com a Roma por 9 milhões de euros em agosto de 2007. Assim que chegou ao clube italiano, o ex-lateral percebeu a diferença de cultura futebolística.
“Cheguei e já consegui assumir a posição do Panucci, que jogava na Seleção Italiana. Depois de um tempo, comecei a enfrentar dificuldades na questão do posicionamento. O futebol italiano é muito posicional. Teve um jogo que ganhamos do Palermo por 4 a 1, dei três assistências, mas o gol deles foi nas minhas costas. O treinador, Luciano Spaletti, não gostou, e fiquei no banco três jogos seguidos depois disso. O clássico entre Roma e Lazio era muito tenso. Mais até do que Real Madrid x Barcelona. Roma x Lazio parava a cidade, só se falava disso. Envolvia várias coisas, religião, etc.”
Após um período atuando com regularidade, o jogador sofreu uma grave lesão no joelho e enfrentou enorme dificuldade não somente profissional, e sim pessoal também.
“No final de 2008, acabei lesionando meu joelho pela segunda vez e corri o risco de não poder mais voltar a jogar. Neste tempo parado, comecei a desenvolver um quadro de depressão. Comecei a fazer fisioterapia de qualquer jeito. Não à toa, fiquei um ano sem jogar. Aí senti que tive uma decadência mesmo. Depois, comecei a me recuperar e, no meu último ano de contrato, a Roma ofereceu renovar por mais três anos, porém diluindo o que seria o meu recebimento anual em três e apenas um adicional. Eu não aceitei e negociei o meu retorno ao Brasil, para jogar no Sport Recife, com 32 anos.”
Cicinho chegou a jogar com Adriano Imperador na Roma, mas diz que as histórias são restritas.
“O Adriano tinha um barco lá e fazíamos algumas festas e resenhas. Tem muita história, mas são cabeludas. Deixa para o Adriano e o Aloísio Chulapa contarem.”
Ídolo da posição
O ex-lateral-direito Jorginho, tetracampeão do mundo com a Seleção Brasileira e atual treinador de futebol, foi a principal inspiração de Cicinho na posição.
“Um cara que sempre admirei muito foi o Jorginho. Me espelhei muito nele. O Cafú também sempre procurei observar”, afirma.