A conta do mercado livre
O ano de 2024 marcará uma nova etapa para o setor elétrico brasileiro, com a abertura do mercado livre de energia para consumidores de média tensão. Nesse regime, o usuário contrata o serviço de eletricidade do fornecedor que escolher, sem o vínculo obrigatório com uma distribuidora de energia. Até 2023, apenas empresas do grupo de alta tensão, com contas acima de R$ 50 mil, podiam integrar esse sistema; a partir de 2024, o mercado será aberto para quem consome o equivalente a R$ 10 mil ou mais, como shoppings e supermercados.
Projeções da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) indicam que um grupo de mais de 70 mil unidades consumidoras estará apto a migrar para o mercado livre, fechando contratos com comercializadoras de energia que têm oferecido descontos de até 40% em relação à tarifa cobrada pelas distribuidoras. Trata-se de mais um passo na direção do barateamento do consumo de energia para as empresas.
O problema ficou para quem paga os encargos do mercado cativo, também chamado de regulado. Com mais essa fase de abertura do mercado livre, somente consumidores residenciais e microempresas permanecerão atrelados às distribuidoras de energia. E, como se sabe, mais de 40% do que é pago na conta de luz nada tem a ver com o consumo de energia. São impostos arrecadados pelo governo e encargos que servem para custear subsídios distribuídos pelo governo.
Cada consumidor que migra para o mercado livre deixa mais alta a conta dos encargos que serão divididos entre todos os usuários do mercado regulado. Como os encargos têm aumentado ano a ano, azar de quem sobrar para bancar o rateio. No ano passado, os subsídios para o setor elétrico foram de cerca de R$ 33 bilhões. Para este ano, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) propôs um orçamento de R$ 37,2 bilhões apenas para a Conta de Desenvolvimento Energético.
Uma consulta no extrato da conta de luz mostra que a energia é apenas um detalhe. A Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TSUD) – que, como a Tarifa de Energia (TE), também já embute os impostos – carrega também o fundo com os subsídios que custeiam o barateamento da energia solar e para consumidores de baixa renda, o combustível das térmicas, os serviços de fiscalização da Aneel e setores econômicos considerados estratégicos.
Se o mercado livre fosse aberto a todos, os consumidores seriam beneficiados de maneira semelhante ao que ocorreu na portabilidade do serviço de telefonia. Poder escolher o fornecedor é direito básico de quem paga por um serviço. Mas, como de praxe, o poder público não planejou de forma competente a transição do mercado cativo para o livre. Pior, não parece disposto a renunciar ao dinheiro coletado de maneira um tanto camuflada nas tarifas de energia.
O consumidor que compra energia de comercializadoras se livra dos encargos de transmissão e distribuição. Já a base mais estreita do mercado regulado torna mais pesada a conta. É o que os especialistas chamam de “espiral da morte”. Não é difícil imaginar quem paga o funeral.