Carne vegetal
Por Décio Luiz Gazzoni
Deixemos claro que hábitos alimentares, sejam eles vegetarianos, veganos ou similares, decorrem de uma decisão de foro íntimo de cada cidadão, que deve ser respeitada. Portanto, não vamos nos ater aos hábitos alimentares, mas analisar aspectos nutricionais e de segurança alimentar, que envolvem produtos vegetais elaborados, que pretendem substituir a carne. Essas questões técnicas vão auxiliar a definir o espaço de mercado da carne que será substituído por vegetais.
Os números que apresentaremos podem sofrer variações, e são valores médios encontrados nos textos sobre o assunto. Comparando um hambúrguer típico (carne animal) com os hambúrgueres à base de vegetais, a principal diferença que ressalta é a quantidade de fibras, que é moderadamente superior. Os valores por porção de hamburguer, tanto para calorias (250 kcal – 300 kcal), quanto proteínas (20g) e ferro biodisponível (16% – 25%) são equivalentes. Os valores para outros micronutrientes são variáveis e, normalmente, equivalentes .
Uma diferença que chama a atenção é o teor de sódio. Um hambúrguer de carne típico contém cerca de 80 mg de sódio, enquanto aqueles à base de vegetais podem atingir 370 mg. Esse teor de sódio ocorre naturalmente nos vegetais, não é adicionado para conferir sabor ou estabilidade ao produto. A pergunta essencial é: esse valor é alto? O problema maior pode ser os condimentos (mostarda, maionese, ketchup ou outros), que contém sódio, ou o pão, posto que um lanche de hambúrguer vegetal – pronto para consumo – pode conter 1.000 mg de sódio, porém apenas cerca de 1/3 vem do hambúrguer. Lembrando que a ingestão diária admitida pela OMS é de 1.500 mg a 2.000 mg por dia.
Benefícios
O primeiro possível benefício é o teor de lipídios. Um hambúrguer típico médio contém 20 g de gordura, sendo 50% de gorduras saturadas. Logo, um hambúrguer fornece quase metade da ingestão máxima de gordura saturada recomendada para adultos (5% – 10% das calorias). Os hambúrgueres vegetais contêm a mesma ou ligeiramente menos gordura total, mas a mistura é mais favorável – menos gordura saturada (5 g – 8 g) e mais gorduras insaturadas. Reduzir as gorduras saturadas é bom para o coração, se substituídas por gorduras insaturadas. A maioria dos hambúrgueres vegetais usa óleo de coco como fonte de gordura saturada, considerada menos prejudicial do que as gorduras saturadas encontradas na carne bovina.
Outro benefício é a redução de gordura trans. Um hambúrguer de carne contém 1 – 2 g de gorduras trans. A OMS limita o total de gorduras trans a menos de 2 g/dia, o que significa que um hambúrguer de carne pode fornecer o limite diário de gordura trans.
O terceiro benefício envolve o menor risco de doenças transmitidas por alimentos. Hambúrgueres vegetais são mais seguros de serem manuseados crus, do que carne moída, devido ao risco de contaminação com bactérias patogênicas como Salmonella spp. e Escherichia coli. Salientando que o risco pode ser controlado, adotando-se as boas práticas de elaboração de alimentos.
O quarto benefício seria uma redução do risco de câncer. Em 2015, a OMS classificou a carne vermelha como um “provável carcinógeno”, devido a uma forte correlação com o câncer colorretal. Embora faltem dados de ensaios controlados, há uma forte base mecanicista, especialmente quando ocorre cozimento em alta temperatura, que gera carcinógenos bem conhecidos (como aminas heterocíclicas e hidrocarbonetos policíclicos). Essa ligação está bem estabelecida em modelos animais, mas não está claro quanta carne vermelha necessitaria ser consumida, e em que condições, para se constituir em um risco efetivo, na vida real. Como sempre, a dose faz o veneno!
Os contras
Uma crítica que ronda os hambúrgueres vegetais é o elevado processamento industrial; outro aspecto levantado envolve os aditivos químicos. Porém nada consistente é encontrado na literatura, indo pouco além de suspeitas e alertas genéricos. O terceiro aspecto é o número de ingredientes adicionados, normalmente para melhorar o aspecto nutricional, como adição de vitaminas e minerais, para se aproximar dos teores verificados na carne. A crítica se refere aos aditivos como “não-naturais”, o que é controverso, porque alguns são extraídos de plantas, outros são sintéticos.
O heme está presente em grandes quantidades no nosso organismo, sendo parte da hemoglobina. As plantas contêm heme, mas em quantidades muito menores do que a carne. Para a fabricação de “carne vegetal” seria necessária uma grande quantidade de soja para produzir leghemoglobina, a fim de fornecer heme em teor similar ao da carne. Nos produtos atualmente encontrados no mercado, o heme é produzido por fermentação com micróbios especializados.
Há, também, o questionamento de resíduos de pesticidas. Valendo-se dos levantamentos oficiais realizados em diversos países, esse não deve ser motivo de preocupação no consumo de hambúrgueres vegetais, pois os teores encontrados (e quando encontrado!) têm sido muito abaixo da dose diária aceitável das substâncias.
Na prática, o uso de blends vegetais, para substituir carnes no preparo de alguns alimentos, deslocaria a produção agrícola de um para outro setor. Continuaremos nos alimentando na mesma proporção de antes, há vantagens e desvantagens que devem ser consideradas, em ambas as vertentes. A decisão de consumo será individual, por razões próprias de cada cidadão. Já do ponto de vista do agronegócio, a questão maior é verificar onde estarão as melhores oportunidades de mercado.
Sobre o CCAS
O Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS) é uma organização da Sociedade Civil, criada em 15 de abril de 2011, com domicilio, sede e foro no município de São Paulo-SP, com o objetivo precípuo de discutir temas relacionados à sustentabilidade da agricultura e se posicionar, de maneira clara, sobre o assunto.
O CCAS é uma entidade privada, de natureza associativa, sem fins econômicos, pautando suas ações na imparcialidade, ética e transparência, sempre valorizando o conhecimento científico.
Os associados do CCAS são profissionais de diferentes formações e áreas de atuação, tanto na área pública quanto privada, que comungam o objetivo comum de pugnar pela sustentabilidade da agricultura brasileira. São profissionais que se destacam por suas atividades técnico-científicas e que se dispõem a apresentar fatos, lastreados em verdades científicas, para comprovar a sustentabilidade das atividades agrícolas.
A agricultura, por sua importância fundamental para o país e para cada cidadão, tem sua reputação e imagem em construção, alternando percepções positivas e negativas. É preciso que professores, pesquisadores e especialistas no tema apresentem e discutam suas teses, estudos e opiniões, para melhor informação da sociedade. Não podemos deixar de lembrar que a evolução da civilização só foi possível devido à agricultura. É importante que todo o conhecimento acumulado nas Universidades e Instituições de Pesquisa, assim como a larga experiência dos agricultores, seja colocado à disposição da população, para que a realidade da agricultura, em especial seu caráter de sustentabilidade, transpareça.
Décio Luiz Gazzoni, Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja e membro do Conselho Científico Agro Sustentável