Regulamentação sobre Propriedade Intelectual precisa ser atualizada
Patrícia Peck destaca a necessidade de construir uma equação que una o avanço tecnológico dentro da proposta da legislação para não comprometer um modelo moral e patrimonial que foi desenvolvido pelo ser humano
A inteligência artificial se tornou uma ferramenta extremamente versátil para encurtar caminhos e acelerar desempenhos em praticamente qualquer atividade na Internet, dada as inúmeras possibilidades que proporciona. O sucesso dessa tecnologia foi avassalador e já é um instrumento indispensável para diversas empresas brasileiras. Conforme estudo do SAS (Statistical Analysis System) feito pelo IDC (International Data Corporation), o Brasil lidera o uso de Inteligência Artificial na América Latina: cerca de 63% das organizações utilizam aplicações baseadas nesse sistema.
Tecnologias que facilitam e democratizam o acesso a dados digitais sempre trouxeram polêmicas sobre proteção autoral. E com as IAs generativas – uma subárea da Inteligência Artificial que possibilita a geração de conteúdo pelos sistemas inteligentes que podem criar imagens, áudios, vídeos, textos, entre outros itens anteriormente criados apenas por seres humanos – não foi diferente. O cruzamento dinâmico de informações, que dificulta os próprios desenvolvedores das IAs apontarem de onde vêm os dados que alimentam o sistema, acaba por se valer de propriedade intelectual dos indivíduos que as desenvolveram sem respeitar os direitos de obras protegidas. Por outro lado, muito se discute sobre a possibilidade de se reconhecer tais direitos à obra que é resultado direto da IA.
Essa possibilidade tem levantado discussões sobre como proteger os direitos de criação de seus autores dentro da legislação de propriedade intelectual dos impactos que as IAs podem causar.
Na visão de Patrícia Peck, CEO e sócia fundadora do escritório Peck Advogados, a criação de IAs generativas, pela lei brasileira, não tem direito à proteção intelectual. “A máquina não cria nada, usa apenas informações que já existem e foram elaboradas e inseridas em algum lugar por alguém”, explica.
Patrícia também lembra que entre os debates mais emblemáticos envolvendo o assunto destacam-se a recente greve de roteiristas e atores de Hollywood, que estavam sendo substituídos ou tendo seus trabalhos menos procurados por conta do uso de Inteligência Artificial. Bem como a polêmica de Stephen Thaler, o desenvolvedor da DABUS, que enfrentou recentemente uma disputa perante o Escritório de Direitos Autorais dos Estados Unidos (USCO) e o Tribunal Distrital de Columbia, Washington em busca de ter reconhecida a autoria da obra de arte “A Recent Entrance to Paradise”, criada pelo algoritmo por ele desenvolvido. E a decisão da Corte Americana reforça o entendimento de que uma obra protegida por direitos de autor deve ser associada a um autor humano.
A Corte Americana refutou o reconhecimento da autoria, reforçando o entendimento da USCO.Após esse episódio que influenciou o entendimento atual, podemos entender que é possível ter uma proteção se houver uma camada de criatividade, fruto da atividade humana, por cima do resultado trazido pela IA”, destaca a advogada.
Patrícia explica anda que, pela lei brasileira, a proteção é garantida somente à pessoa física, no sentido literal, não sendo possível extrair essa proteção de algo produzido por IA, ou seja, IA não tem CPF e só quem o tem pode criar algo. No entanto, é possível proteger uma obra criada com auxílio de IA. “O que torna a criação passível de proteção é o fator inventivo, caso de trate de uma patente, ou criativo e original, caso se trate de uma obra de arte, algo que só a condição humana pode criar e não a tecnologia. Nesse caso, ela é usada como instrumento ou meio para tal”, pontua.
Essa discussão ainda está aberta no campo legislativo mundial, mas a tendência, segundo a CEO do Peck Advogados, é que as leis evoluam conforme o avanço da tecnologia. “A IA generativa provoca cada vez mais a necessidade de atualização da legislação de direitos autorais, visando criar camadas de proteção, principalmente no cenário atual em que a checagem de informação é limitada, em um terreno já complexo de se regulamentar como a Internet”, comenta.
Patrícia entende que é necessário construir uma equação que acomode o avanço tecnológico dentro da proposta da legislação para não comprometer o modelo de proteção, com viés moral e patrimonial construído. “O negacionismo pode levar a selvageria da propriedade intelectual. A lei busca estimular a remuneração do investimento que se tem ao criar algo. O sistema tem o viés patrimonial, com a remuneração, além do moral, com o crédito da criação, para poder garantir que quem cria tenha seu reconhecimento ao ter sua obra usufruída por terceiros”, afirma.
Segundo a especialista em Direito Digital, a falta de regra pode, inclusive, desestimular a vontade de se desenvolver algo se não puder sequer ter o crédito por ela.