Diversidade Inconveniente
Por Marcos Dimenstein
A forma mais eficaz de empurrar o tema da diversidade do discurso para a prática é aceitar a amplitude do termo e encarar o desconforto ideológico. A própria definição da palavra está ligada à ideia de oposição, e é aí que a diversidade como princípio é posta à prova. Demorei alguns anos para compreender uma frase repetida por meu pai: “Um princípio só é um princípio quando é inconveniente”. No final de 2018, já era CEO da Catraca Livre. Depois de um debate interno, decidimos nos posicionar contra a candidatura de Jair Bolsonaro, mesmo sabendo que os riscos para o negócio eram altos.
No Brasil, não temos tradição de veículos de comunicação declararem abertamente sua opção política. Na Catraca, nunca tivemos – e continuamos sem ter – partido político, mas sempre defendemos ideias como a valorização da diversidade, o protagonismo feminino e a democratização do espaço público. Diante de um candidato que colocava em risco nosso sonho de prosperidade inclusiva para o país, aderimos ao #elenao. Resultado: perdemos contratos comerciais, seguidores e ficamos em situação de fragilidade diante da pandemia. Então tivemos que decidir se diversidade era um discurso bonito ou um princípio inegociável. Apesar da turbulência, saímos mais fortes, com mais audiência, novos projetos e com um time que se orgulha de estar onde está.
Parte do campo progressista, em especial da elite cultural, adora versar sobre diversidade, mas nega tudo aquilo que foge do seu padrão de qualidade. Despreza o funk e a música sertaneja, tem preconceito contra a comunidade evangélica, sem compreender a complexidade das ideias nas diferentes congregações. A mesma coisa se aplica ao agro. Ou não devemos nos orgulhar de um Brasil em grande parte feito de interior e sertão?
Precisamos construir pontes que despertem a consciência. Há quem viva na ignorância do preconceito retrógrado, mas também é ignorante quem utiliza a retórica da diversidade sem estender a mão para a mudança de pensamento das massas. Importamos dos EUA termos como mansplaining e saímos exibindo nosso repertório em mesas de bar. Qual será a eficiência disso para atingirmos resultados efetivos de mudança de atitudes em escala? Precisamos decodificar essas mensagens para que elas possam ser verdadeiramente inclusivas. Caso contrário, só servem para que a pessoa se sinta parte de um grupo que já pensa como ela.
Olhando os últimos capítulos da novela melodramática que é a política nacional, temos uma minoria fiel a Lula (cerca de 30%), outra menor que abraça ideias fascistas (cerca de 20%) e no meio uma massa majoritária que está mais preocupada se vai ter carne para o jantar ou se consegue pagar a gasolina do carro comprado em infinitas prestações. Observamos nas últimas eleições essa faixa transitar pelos polos, por querer uma uma vida melhor. Erramos ao classificar essa maioria como petralhas ou bolsominions e, ao fazer isso, empurramos essas pessoas para as sombras do cancelamento. Preferimos apontar o dedo do que estender a mão ao diálogo.
Quando olhamos para o mercado de trabalho, a importância desta agenda vai muito além da reparação social necessária. Ela traz a noção mais ampla da pluralidade enquanto potência criativa, produtiva e de inteligência. Observamos um processo de desconstrução do perfil idealizado que se estabeleceu por tanto tempo. Pessoas contratando pessoas que se parecem com elas, sob o argumento do alinhamento com o “perfil da empresa”. Esse modelo já não é mais a regra, simplesmente porque é burro. Quantas vezes observei, em minhas jornadas de captação de recursos nas empresas, um grupo de executivos de marketing, quase todos brancos (inclusive eu), que estudaram nas melhores escolas bilíngues de São Paulo (dessas eu escapei), discutindo como aumentar o consumo nas classes C e D. Seria cômico se não fosse trágico. É muito mais enriquecedor ter insights de diferentes raças, gêneros e classes sociais durante o processo criativo e de planejamento, trazendo para a mesa a experiência real de vida desses consumidores. Isso é mais valioso do que qualquer pesquisa de tendência que o dinheiro possa comprar.
Ainda há muito por fazer, especialmente na ampliação de negros e LGBTQIAP+ em posições de liderança, mas esta é talvez a agenda social que mais avançou nas grandes empresas. Diversidade é integração e valorização, não apenas respeito. Todo tipo de pessoa, cada uma com sua potência criativa, constitui a cultura tão rica que temos. Trabalhar com a diferença não significa ser obrigado a gostar de tudo e de todos, mas exige compreensão de que a soma que torna o Brasil tão interessante.
Temos um país muito mais plural do que nossos estereótipos conseguem enxergar. Para construirmos uma sociedade verdadeiramente democrática, precisamos assumir a diversidade como princípio, por mais inconveniente seja.