Militares fazendo lobby junto aos parlamentares fere democracia, alertam especialistas
Para especialistas, Forças Armadas mais parecem um Poder de Estado
Uma pesquisa revelou que as três Forças Armadas brasileiras possuem até 115 servidores dedicados ao lobby dentro dos parlamentos brasileiros. A Marinha tem 12 servidores, a Aeronáutica, 10 militares e o Exército 93 pessoas dedicadas “a defender os interesses da Força junto aos parlamentares brasileiros”, segundo o levantamento. No caso do Exército, a maior parte está espalhada pelos estados e municípios das oito regiões militares brasileiras.
Como comparativo, as assessorias parlamentares ligadas aos comandantes das Forças que estão em Brasília, excluindo os servidores ligados ao Ministério da Defesa e as assessorias locais, têm 36 servidores nas assessorias parlamentares, número três vezes maior que o do Ministério da Educação, que tem 10 funcionários para se relacionar com todo o Congresso Nacional.
O boletim O Lobby dos Militares no Legislativo, produzido pelo Instituto Tricontinental de Pesquisa Social, aponta que esse é apenas um dos aspectos da tutela militar sobre a política brasileira. “Enquanto a tutela permanecer, não teremos plena democracia no Brasil”, reforça.
Essas estruturas estão ligadas diretamente aos comandantes das Forças Armadas, desfrutando de “completa autonomia para o estabelecimento das suas relações parlamentares diante do poder político a que devem subordinação: o Ministério da Defesa e a Presidência da República”. Já o Ministério da Defesa tem uma Assessoria Parlamentar (Aspar) com 13 funcionários (5 civis e 8 militares). Número considerado pelos autores como “pífio quando comparado aos mais de 100 militares designados para a função de lobistas” que são ligados aos comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica.
Ou seja, o lobby ligado aos comandantes é 715% superior à assessoria parlamentar do Ministério de Defesa. “Se, por um lado, esse quadro auxilia na compreensão das dificuldades dos parlamentares para contrariar interesses das FFAA, por outro, é um excelente indicador da ampla autonomia que a instituição militar possui”.
Um dos pesquisadores do estudo, o professor de ciência política da UnB Rodrigo Lentz, estuda o pensamento político do militar brasileiro. “A maior relevância do estudo é a revelação concreta, a partir de dados, de que cada Força tem uma grande estrutura, muito equiparada a um poder de Estado, completamente autônomo ao poder político, não subordinado ao poder civil, que é oriundo do poder popular”. Para Lentz, nas democracias, as relações institucionais da burocracia devem ser feitas pelo poder político, ainda mais se tratando de militares.
Para o secretário-executivo do Instituto Vladmir Herzog, Rogério Sottili, o estudo reforça a tese de que os militares no Brasil formam uma elite com grande poder político. O Instituto Vladimir Herzog trabalha para “reforçar e defender de forma irrestrita os valores de democracia e direitos humanos”, levando o nome do famoso jornalista assassinado durante a última ditadura civil-militar (1964-1985).
Para Sottili, apenas o Ministério da Defesa teria que ter assessoria parlamentar para defender os interesses das Forças Armadas. “Isso é legítimo. O problema é ter as três Forças atuando de forma totalmente independente do ministério, do Estado brasileiro e do governo. O que configura uma autonomia inaceitável”. O especialista alerta que essas estruturas institucionalizam um poder paralelo dentro do Estado, além de construir “um caminho para a manutenção dos militares na política”.
Militares nos Parlamentos
O estudo do Instituto Tricontinental apurou ainda o perfil dos militares no Congresso Nacional. Foram identificados 23 deputados federais e 2 senadores eleitos em 2022, representando 2,5% do total de cadeiras. Apesar de serem minoria, o boletim considera que “os parlamentares-militares são referência na difusão dos valores e interesses corporativos no processo legislativo, encontrando ressonância na tomada da decisão política nacional”. Desses, 5 são das Forças Armadas, 16 das Polícias Militares e 2 de Corpos de Bombeiros. Apenas um dos parlamentares é do sexo feminino.
Todos os parlamentares-militares são do espectro político-ideológico identificado com a direita, segundo o levantamento. O PL tem 14 parlamentares eleitos, seguido pelo Republicanos (6), União Brasil (2), Patriota (2), Avante (1), Podemos (1), PSD (1) e Progressistas (1).
O representante do Instituto Herzog, Rogério Sottili, destaca que o perfil ideológico revela o resultado da eficiência do lobby dos militares no Congresso. “A maioria deles participando de comissões estranhas ao interesse da corporação, ao interesse dos militares. A maioria atua em comissões de agricultura”, pontua.
Emendas Parlamentares
Um dos objetivos das assessorias militares nos parlamentos é o de “facilitar a transmissão de informações sobre emendas parlamentares”. Segundo a pesquisa, as assessorias são eficientes nesse aspecto. Entre 2010 e 2021, a média anual em emendas parlamentares foi de R$ 143,3 milhões, com um pico de recursos obtidos em 2015 (R$ 394,5 milhões).
“O pico (de emendas) se deu em um período de crise entre Legislativo e Executivo. Isso indica que os parlamentares, um poder, estabeleceu uma espécie de moeda de troca política com uma instituição central na República que é o Exército a partir de distribuição de emendas parlamentares. Isso do ponto de vista democrático é absolutamente grave”, avalia o pesquisador do Instituto Tricontinental, Rodrigo Lentz.