Tabaco é tema de audiência pública em Brasília
Sem surpresas: representantes da cadeia produtiva buscam respostas do governo federal sobre posicionamento que será levado à COP 10, no Panamá
A Convenção-Quadro para Controle do Tabaco (CQCT) foi o primeiro tratado internacional de saúde pública da história da Organização Mundial da Saúde (OMS). Representada por 192 países membros da Assembleia Mundial da Saúde, o tratado agregou o maior número de adesões na história da Organização das Nações Unidas. No mês de novembro, o Brasil participará da 10ª Conferência das Partes (COP 10), da CQCT, que este ano será realizada no Panamá. Com o objetivo de esclarecer e debater previamente o posicionamento do país nesse encontro mundial, o deputado federal Alceu Moreira requereu audiência pública realizada nesta quinta-feira, 15 de junho, na Câmara dos Deputados, em Brasília.
“Adotei a discussão do tabaco pelo grau de injustiça, desinformação, ideologização, pelo politicamente correto, porque vemos desfilar um paradoxo: os maiores críticos da produção de tabaco, são os mesmos que defendem a maconha. Parece-me contraditório e por indignação coloquei-me numa trincheira que causa desconforto e desgaste político, mas uma sensação absolutamente feliz de se promover justiça. Ao longo do tempo fomos deixando o discurso envergonhado, na condição de quem joga apenas na defesa. Hoje dizemos em alto em bom som: fazemos parte do agro, produzimos algo lícito, não cometemos crime, os produtores não tem responsabilidade pela quantidade de fumantes no Brasil. Hoje, queremos ouvir, mas principalmente dizer ao Brasil que não temos nenhuma paixão pelo ato de fumar, como não temos aos que bebem em demasiado. Mas temos orgulho em fazer o debate construtivo no sentido de proteger uma produção lícita e não vamos aceitar sermos recriminados por sermos produtores de tabaco”, disse o parlamentar ao abrir os trabalhos.
Estiveram presentes representantes do Ministério das Relações Exteriores (MRE), Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) e do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA). O Ministério da Saúde não se fez presente na audiência, mas enviou nota, que foi lida por Moreira. Segundo a nota, a pasta declinou o convite porque ainda não há, por parte da OMS, liberação de agenda da COP 10, o que deve ocorrer no mês de agosto, tornando a participação no debate “desnecessária”.
Matheus Machado de Carvalho, chefe da divisão de saúde global do MRE, fez um breve histórico da ratificação da CQCT e a participação do Itamaraty nesse processo. Comentou que ainda não existe um processo de definição da delegação brasileira em relação a esses temas e que esse assunto deverá ser tratado pela Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CONICQ), comissão multidisciplinar criada para este fim. O representante do Itamaraty, comentou que em tese os trabalhos foram somente interrompidos no último governo e que há um processo interno de reestruturação da CONICQ, com base na nova estrutura governamental. “Fomos consultados e a princípio teremos um representante. Quem está coordenando esse processo de consultas entre os ministérios é o Ministério da Saúde e é provável que a estrutura seja muito parecida com a anterior”, disse.
Clecivaldo Sousa Ribeiro, coordenador-geral de produção vegetal do MAPA, falou aos presentes sobre a relevante participação do tabaco para o agro brasileira, em especial na geração de renda e emprego. “Os produtores seguem regras extremamente rigorosas para a produção de tabaco no Brasil, todas em conformidade com a legislação. A lavoura do tabaco no Brasil é uma lavoura sustentável, que tem se preocupado em não utilizar mais terra, mas aumentar a sua produtividade por meio de novas tecnologias e que tem sido acompanhada de perto pela área de produção vegetal”, relatou.
Marcos Vinicius, coordenador de Agregação de Valor do MAPA, falou sobre o processo de certificação da produção de tabaco no Brasil e as garantias sociais e ambientais que o selo do MAPA concede. “Fomos procurados, de forma voluntária, para certificar o produto e podemos afirmar que o tabaco brasileiro é sustentável: não utiliza trabalho escravo, não agride o meio-ambiente e conta com a certificação das diferentes etapas”, falou.
Manoel Mendonça, coordenador de Fomento à Assistência Técnica e Extensão Rural do MDA, falou sobre o papel do MDA na implementação da Convenção-Quadro. “O papel do MDA é oferecer alternativas mais sustentáveis aos produtores de tabaco e que tem sido implementada em alguns municípios como a fruticultura, a criação de pequenos animais. Nosso objetivo é o de salvaguardar os produtores das incertezas do mercado e de uma futura redução da demanda. Não perdemos de vista a importância econômica e social do tabaco e sabemos que é um processo, que não pode ocorrer de forma abrupta”, falou.
Participaram do evento representantes da cadeia produtiva, como o presidente da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), Benício Albano Werner; o executivo da Abifumo, Giuseppe Lobo; e representante da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (FETAG-RS) e da Fentifumo.
Iro Schünke, presidente do Sindicato Interestadual da Indústria do Tabaco (SindiTabaco), abriu seu comentário enfatizando a falta de transparência nos debates conduzidos no âmbito da CQCT. “Não conheço ditadura pior que a da Convenção-Quadro, onde os maiores interessados não podem participar das discussões. As inverdades que normalmente ouvimos, e são muitas, especialmente da área da saúde, precisam ser rebatidas com fatos. É o caso da campanha lamentável que vimos no dia 31 de maio, com uma criança sentada em frente a um prato de cinzas de tabaco. É uma agressão à criança e uma agressão ao setor do tabaco, que é um produto lícito, que gera renda e empregos para milhares de cidadãos brasileiros e que é protagonista em produção sustentável, o chamado ESG. A minha intervenção é no sentido de atentarmos a como o Brasil se posicionará na próxima COP e alertar para consequências de um posicionamento malconduzido na próxima COP”, disse Schünke.
Além de representantes do executivo federal e de entidades ligadas ao setor, diversos políticos participaram da audiência, caso do deputado federal gaúcho, Marcelo Moraes. “No passado, a intenção da CQCT era reduzir o número de fumantes, mas no decorrer da caminhada, e o Brasil foi um ator importante nessa condução, começaram a atacar a produção: tentaram limitar a área de produção, extinguir as linhas de crédito aos produtores. Fica o encaminhamento para que, desde agora, busquemos os ministérios que possam contribuir com a posição brasileira na próxima COP, porque estamos falando da maior exportação do Rio Grande do Sul e a oitava do Brasil”, destacou o deputado federal, Marcelo Moraes.
Ao final da audiência, o grupo definiu a construção de um documento base que será compartilhado nesses encontros estratégicos junto aos ministérios e comissões de interesse. “Nosso trabalho será o de construir, com articulação e com absoluto respeito à opinião divergente, os espaços a que o tabaco tem direito a ter no agro brasileiro, como uma produção absolutamente lícita e que não merece a recomendação ou reprimenda de ninguém”, concluiu Moreira ao encerrar a audiência.
PARA SABER – Mundialmente, os maiores produtores de tabaco, em ordem são: China, Brasil, índia, Zimbábue, Estados Unidos, Malawi, Argentina, Tanzânia, Moçambique e Indonésia. Ressalta-se que a China produz mais que o dobro do Brasil, que por sua vez, produz o dobro da terceira colocada, a Índia. Já entre os maiores exportadores de tabaco estão o Brasil, que lidera o ranking há 30 anos, seguido pela Índia, Zimbábue, China, Malawi, Estados Unidos, Itália, Argentina, Turquia, Filipinas. Na última safra, somente a Região Sul do Brasil produziu 560 mil toneladas de tabaco, totalizando uma geração de R$ 9,5 bilhões para 128 mil famílias de pequenos agricultores, em 488 municípios.