Cigarros eletrônicos: estamos próximos de uma solução?
Por Alessandra Bastos
O diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antônio Barra Torres, em entrevista recente, declarou que a agência deverá definir ainda neste ano – possivelmente até mesmo no primeiro semestre — o futuro dos cigarros eletrônicos no Brasil, tema que está sob sua relatoria na agência. Como manda o decoro em questões como essas, Barra Torres não deu pistas sobre o veredito da Anvisa em relação à questão. Mas somente a expectativa de que a agência definirá regramentos para o que pode e o que não pode sobre a comercialização desses produtos traz a perspectiva alvissareira de que o risco a que milhões de consumidores adultos estão submetidos terá uma solução.
Explica-se: a proibição da comercialização dos cigarros eletrônicos, nome genérico para vaporizadores e produtos de tabaco aquecido, determinada pela própria Anvisa desde 2009, não surtiu efeito. Mais que isso, criou espaço, nos últimos anos, para o comércio ilegal e sem controle algum desses dispositivos, colocando sob grave risco a saúde dos consumidores. Uma pesquisa realizada pelo Ipec – Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica – em 2021 revelou que, naquele momento, existiam mais de 2 milhões de consumidores adultos de cigarros eletrônicos.
Esses números apontam para fatos óbvios: a proibição do dispositivo no Brasil se mostra absolutamente ineficaz, uma vez que observamos o comércio dos produtos ilegais ocorrendo livremente. Tais produtos ofertam risco incalculável, já que não obedecem a nenhum critério sanitário e por não terem registro na ANVISA não podem ser monitorados desde a sua fabricação até a venda ao consumidor final. Todo o circuito acontece sem regras, parâmetros, informações e fiscalização. Não é possível, na falta de mecanismos de controle atual desse mercado, obter informações essenciais para que o consumidor se resguarde, como a composição, a procedência e a segurança do uso dos dispositivos. Sendo assim, a proibição oferece o avesso do que se esperava. Cenário favorável à ilegalidade e alto risco sanitário aos seus consumidores.
Esse quadro evidencia que uma regulamentação adequada para a fabricação e comercialização de cigarros eletrônicos é a solução mais sensata. Lembrando que regulamentar não significa liberar a sua comercialização, mas, sim, estabelecer regras que disciplinam a fabricação, a venda, a importação, o consumo, a informação e educação sobre o uso desses produtos, determinando mecanismos de monitoramento, fiscalização e a proibição de consumo por menores de 18 anos, como deve ser.
Há, nessa situação, um evidente paradoxo envolvendo os cigarros convencional e o eletrônico. Como o presidente da Anvisa lembrou na própria entrevista, o fumo, em que pese os seus efeitos deletérios, não é proscrito no Brasil. O cigarro eletrônico, reconhecidamente menos impactante para a saúde, por sua vez, teve sua comercialização proibida. A evolução do mercado ilegal do cigarro eletrônico também indica que o consumidor fez sua escolha pelo produto e, portanto, precisa, para que o consumo se dê sob condições apropriadas, da vigilância sanitária.
Antes de mais nada, urge um olhar sobre o cenário do uso de dispositivos eletrônicos para fumar livre de preconceito e negacionismo. A primeira realidade a ser encarada é o fato de que o cigarro eletrônico não é um produto inócuo. Mas, em contrapartida, é um erro não reconhecer, diante de evidências construídas com base no conhecimento, que os vaporizadores representam, para adultos fumantes, uma alternativa de risco reduzido em relação ao uso do cigarro convencional. Mais que isso: podem oferecer uma via de saída do cigarro, como afirmou o insuspeito Cochrane** em estudo publicado em setembro de 2022.
A experiência internacional mostra que a regulamentação é o caminho para viabilizar o uso dos cigarros eletrônicos de maneira racional, controlada, responsável e monitorada. Os dispositivos já são reconhecidos como instrumentos de políticas de controle do tabaco por cerca de 80 países, entre os quais estão Estados Unidos, Canadá, Japão, Nova Zelândia, Reino Unido e 27 países membros da União Europeia. Esses países contam com autoridades de vigilância sanitária da mesma envergadura que a Autoridade Sanitária Brasileira.
No ano passado, o Ministério de Saúde da Inglaterra ratificou levantamento realizado pelo King’s College London que apontou que os vaporizadores são pelo menos 95% menos prejudiciais do que o cigarro comum. O Reino Unido tem como meta reduzir a população adulta fumante para 5% até 2030 e, para isso, inclui os vaporizadores em políticas de redução de danos à saúde.
A proibição, pura e simplesmente, do comércio desses dispositivos somente lançou os consumidores aos perigos do uso de produtos de altíssimo risco. Estabelecer regras para esse mercado soa como a medida mais plausível, capaz de livrar o país de uma séria crise sanitária. É garantir que o comércio seja praticado pela indústria legalmente estabelecida, sob regras rígidas e claras, com garantias ao consumidor, tornando efetivos os mecanismos de combate ao contrabando, que hoje domina 100% do mercado, de combate ao acesso a menores de idade. Proibir os cigarros eletrônicos já se mostrou ineficaz. Regulamentá-los, como 84% dos países da OCDE já fizeram, é a melhor saída.
*Alessandra Bastos é Farmacêutica, ex-Diretora da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e consultora científica da BAT Brasil.