22 de setembro de 2024

O uso de bonecos de fetos como estratégia retórica e a perda do debate

O recente episódio no Senado brasileiro, onde um grupo de manifestantes bolsonaristas utilizou bonecos de fetos para protestar contra o aborto, expõe um preocupante cenário de polarização política e embate ideológico, além de evidenciar a perda da capacidade de diálogo e debate construtivo sobre temas complexos como a descriminalização do aborto.

A utilização de bonecos de fetos como ferramenta de protesto, embora possa ser interpretada por alguns como um recurso para sensibilizar a opinião pública sobre a questão do aborto, revela-se, na prática, um recurso retórico falacioso e manipulador, destituído de argumentos sólidos e baseado em apelos emocionais.

A imagem dos bonecos, comumente associada a um apelo à compaixão e à defesa da vida, serve como um atalho para a construção de uma narrativa simplista e distorcida da realidade. A manipulação emocional, neste contexto, impede que se aborde a complexidade do tema e a multiplicidade de fatores que envolvem a decisão de interromper uma gravidez, ignorando, por exemplo, questões de saúde, violência sexual, condições socioeconômicas e a própria autonomia da mulher sobre seu corpo.

Essa estratégia também escamoteia o fato de que a criminalização do aborto não o impede, mas o torna mais inseguro, expondo mulheres, especialmente as mais vulneráveis, a riscos de saúde graves e até mesmo à morte.

O uso de tais recursos como forma de manifestação, portanto, não contribui para um debate honesto e responsável, mas sim para a polarização e o aprofundamento de um discurso de ódio, que busca impor uma visão única sobre um tema sensível e que exige abordagens multifacetadas.

A utilização de bonecos de fetos no Senado também coloca em evidência a perda do espaço para o debate político de qualidade. A discussão sobre o aborto no Brasil é marcada por um intenso debate ideológico, onde os argumentos frequentemente se baseiam em preconceitos e crenças morais, em detrimento de dados científicos e de uma análise crítica da realidade.

É fundamental que o debate sobre o aborto seja conduzido de forma responsável, com base em informações precisas, respeitando a diversidade de opiniões e buscando soluções que garantam os direitos das mulheres e a segurança da saúde pública. O recurso a estratégias manipulativas e falaciosas como a utilização de bonecos de fetos, por sua vez, contribui para a desconstrução do debate e para a perpetuação de um clima de intolerância e violência.

O episódio no Senado nos coloca diante de um desafio urgente: a necessidade de resgatar o diálogo e o debate construtivo como pilares da democracia e da busca por soluções para os desafios contemporâneos. É preciso que a sociedade se engaje nesse esforço, buscando informação e conhecimento, combatendo a desinformação e a manipulação, e defendendo o respeito à pluralidade de opiniões e a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

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