Restauração de obras históricas marca resistência à destruição do patrimônio cultural brasileiro
Brasília – Dois anos após o ataque que deixou marcas profundas no patrimônio cultural do Brasil, o governo federal entregou nesta quarta-feira (8) 21 obras restauradas ao acervo da Presidência da República. O ato, que contou com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do vice-presidente Geraldo Alckmin, simboliza não apenas a recuperação material, mas também a reafirmação do compromisso do país com sua memória e história.
Dentre as peças restauradas, destaca-se o emblemático quadro As Mulatas, de Di Cavalcanti, alvo de facadas durante os atos de vandalismo que marcaram a invasão ao Palácio do Planalto em 8 de janeiro de 2023. Com suas dimensões impressionantes – 3,43 metros de largura por 1,12 metro de altura –, a obra foi reintegrada ao acervo em uma cerimônia carregada de emoção e significado político.
“O ódio não venceu. A cultura e a história de um povo são maiores do que qualquer tentativa de apagamento”, declarou Lula. Ele destacou que apenas em um ambiente democrático é possível preservar e valorizar a memória cultural de um país, apontando os ataques como frutos de uma tentativa de desmantelar a identidade brasileira.
Além da obra de Di Cavalcanti, outros itens históricos receberam atenção especial. Entre eles, um relógio do século XVII, fabricado por Balthazar Martinot e André Boulle, destruído em pedaços e reconstruído graças à parceria com o governo da Suíça, que mobilizou mais de mil horas de trabalho técnico e especializado.
Outro item de destaque foi uma ânfora italiana, também restaurada após ser feita em pedaços durante os ataques. “Esses objetos são mais que simples peças de arte; eles são testemunhas de uma história que alguns tentaram destruir”, afirmou o presidente.
A restauração das 21 obras exigiu mais de 1.760 horas de trabalho em um laboratório montado no Palácio da Alvorada. A iniciativa foi viabilizada por uma cooperação técnica envolvendo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e a Universidade de Brasília (UnB).
A memória como resistência
O ataque ao patrimônio cultural brasileiro, ocorrido em janeiro de 2023, foi amplamente condenado por líderes políticos e especialistas em preservação histórica, sendo visto como um ato de desprezo às raízes culturais do país. Para especialistas, a recuperação das obras vai além da dimensão estética ou histórica – trata-se de um esforço de reconstrução simbólica em tempos de crise democrática.
As cenas de vandalismo, amplamente divulgadas à época, deixaram cicatrizes que não se restringem às peças destruídas. Segundo analistas, o episódio expôs a fragilidade da preservação cultural em um contexto político polarizado, trazendo à tona a importância de políticas públicas voltadas à proteção do patrimônio histórico.
Reconstruir para resistir
Enquanto o governo celebra a entrega das obras restauradas, o episódio reforça a necessidade de maior vigilância e investimento na preservação da memória nacional. “A arte e a cultura carregam a história e a identidade de um povo. Tentaram destruir isso, mas a resistência prevaleceu”, concluiu Lula.
A cerimônia de entrega não apenas marcou a conclusão de um esforço técnico monumental, mas também se tornou um ato político em defesa da democracia e da pluralidade cultural. Em tempos de polarização e ataques às instituições, a reintegração dessas obras ao acervo nacional é um lembrete de que a memória de um povo não pode ser apagada.