Mitos sobre a tributação dos super-ricos

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Por Clair Maria Hickmann e Eduardo Mantovani 

No debate sobre a tributação das grandes fortunas e rendas no Brasil, surgem, frequentemente, mitos e pretextos utilizados pelos que querem manter os privilégios. Revelam desconhecimento dos efeitos positivos que a cobrança desses impostos geraria para o país. Entre esse mitos estão a fuga de capitais dos países tributadores, a hipotética redução de empregos ou a suposta alta carga de impostos no Brasil, argumentos refutados por estudos, pesquisas e análises demonstradas neste artigo.

Mito 1: Se aumentar os impostos sobre a renda e riqueza, o capital fugirá do país – os ricos vão transferir suas fortunas para outro lugar

A ameaça de fuga de capital dos mais ricos, frequentemente invocada por alguns super-ricos e pelos grandes meios de comunicação, não passa de um mito.

Na verdade, o comportamento do investidor depende de um conjunto mais amplo de variáveis que influenciam os padrões de risco e retorno na economia, entre as quais destacam-se a estabilidade econômica e política, segurança jurídica, tamanho do mercado consumidor e a perspectiva de crescimento da economia. Estes fatores são mais relevantes e pesam muito mais que os níveis de impostos quando se trata de decisão sobre mudança de país ou de investimento.

Afinal, que nível de taxação faria um empresário deixar um mercado de mais de duzentos milhões de consumidores? E ir para onde: países da OCDE[1] em geral tem tributação maior que a brasileira. Ir para países periféricos, de mercado consumidor bem menor? E como deslocar os grandes patrimônios físicos, as instalações, fazendas? Como enviar mais dinheiro a paraísos fiscais do que já o fazem, por meio de planejamentos tributários internacionais abusivos hoje já utilizados em larga escala?

Estudo recente da Tax Justice Network[2] indica que o número de indivíduos que deixam o país devido ao aumento dos impostos foi insignificante em reformas realizadas em diversos países. De acordo com a TJN, estudos estimam probabilidades de migração extremamente baixas após a implementação de impostos sobre os super-ricos em diversos contextos.

Um dos estudos até descarta explicitamente a possibilidade de um efeito de migração superior a 3,2% dos indivíduos afetados. No caso da Suécia, a emigração foi maior após o aumento de impostos. No entanto, os pesquisadores também documentam que o nível global destes fluxos migratórios é muito pequeno, com taxas anuais de migração líquida inferiores a 0,01%.

Divulgações recentes que sugerem que os ricos estão fugindo da Noruega devido a aumentos nos impostos sobre a riqueza foram exagerados e enganosos: dos 236 mil milionários e bilionários da Noruega, apenas 30 indivíduos se mudaram, 0,01% da população milionária e bilionária do país. A receita perdida com essas saídas constitui uma pequena percentagem da receita global obtida com o aumento de impostos, constatam os pesquisadores.

O estudo da TJN, acima mencionado, indica que, embora exista um pequeno risco de pessoas ricas se mudarem após a implementação de um imposto sobre as grandes fortunas, esse risco parece ser bastante baixo e, portanto, não deve ser uma grande preocupação ao se promulgar tal imposto.

A pesquisa sugere que, para minimizar o risco de indivíduos ricos mudarem para outro país, os impostos sobre o patrimônio líquido poderiam ser aplicados aos cidadãos que residiram no país nos últimos x anos. Esta abordagem reduziria os incentivos para deixar o país após a implementação de um imposto sobre a riqueza e atenuaria as consequências negativas para as receitas fiscais, caso os sujeitos passivos ainda decidam migrar.

É um mito, portanto, que o capital vai fugir, defendido por aqueles que querem manter privilégios.

Mito 2: Os impostos sobre as grandes rendas e riquezas prejudicam a economia e os negócios e podem causar perdas de empregos

Há pessoas que dizem que a riqueza que elas acumulam faz bem para o restante da sociedade e que, se forem tributadas, terão menos recursos para investir e, por isso, vão gerar menos empregos. Ao contrário do que conta este mito, a experiência tem mostrado que países que distribuem melhor a riqueza, taxando mais o patrimônio, têm melhor desempenho econômico e maior nível de bem-estar social.

Estudos acadêmicos indicam que, na verdade, um imposto sobre a riqueza incentiva o investimento produtivo. Para a economia ser mais dinâmica e promover o crescimento, é necessário redirecionar recursos financeiros para a economia “real” e incentivar investimentos que geram bens tangíveis. Caso isso não aconteça, o capital fica congelado e não circula, gerando renda financeira ou acúmulo patrimonial, beneficiando apenas os super-ricos e aumentando a concentração de riqueza. Dessa forma, a tributação justa da riqueza pode criar um ambiente econômico mais saudável, o que beneficia os trabalhadores por promover a criação de empregos e aumentar a procura de bens e serviços.

Os últimos 50 anos assistiram a um declínio dramático na taxação dos mais ricos e o resultado foi mais desigualdade e nenhum efeito significativo no crescimento econômico ou emprego[3], desmontando a ideia econômica de que os cortes de impostos para os ricos “escorrem” (o chamado “trickle-down”) para melhorar o desempenho econômico em geral.

A maior tributação sobre a renda e a riqueza na história econômica ocorreu no período entre e pós-guerras do século XX, e foi justamente nesse período que houve o maior florescimento econômico na Europa e nos Estados Unidos, chamados anos milagrosos ou anos de ouro do capitalismo.

É o contrário, portanto, do que diz o mito. Os impostos sobre as grandes rendas e fortunas melhoram a economia e os negócios, além de aumentar os empregos.

Mito 3: A carga tributária já é muito alta no Brasil

Outro mito que se ouve com certa frequência, quando se fala em tributar as grandes fortunas e rendas, é que a carga tributária já é muito elevada no Brasil. Este é mais um pretexto utilizado por aqueles que querem manter o privilégio. Para os super-ricos, a carga tributária brasileira é muito baixa e bem menor que a carga suportada pelos trabalhadores. Há diversos estudos e dados que comprovam isso.

Na tributação da renda, o rendimento do trabalho é submetido a alíquotas progressivas maiores que o rendimento dos super-ricos, o que significa que os salários mais elevados suportam uma carga proporcionalmente maior. O mesmo princípio não tem sido aplicado aos rendimentos do capital, uma vez que a maior parte desta renda não é tributada – lucros e dividendos – ou é tributada, muitas vezes, a alíquotas fixas e inferiores às taxas aplicadas ao rendimento do trabalho para faixas de rendimentos semelhantes. Por isso, a alíquota efetiva do Imposto de Renda das Pessoas Físicas é progressiva apenas até uma determinada faixa de renda.

Em 2021, por exemplo, a alíquota efetiva apresentou uma elevação progressiva somente para aqueles com rendimentos até 21 salários-mínimos por mês (R$ 23.238,67), chegando a 12,78%. A partir desta faixa a alíquota efetiva começa a cair, alcançando a alíquota efetiva de 5,76% para quem está no topo da renda.

Como a renda dos super-ricos decorre principalmente do capital, este sistema favorece os indivíduos mais ricos acima dos contribuintes médios, que auferem o seu rendimento do emprego. Além disso, os ganhos de capital são tributados somente quando realizados, isto é, quando disponibilizados ou recebidos (exemplo: no momento da distribuição dos lucros aos sócios e/ou no resgate dos títulos de capitalização), e os super-ricos muitas vezes não precisam realizar esses ganhos, o que lhes permite adiar a tributação por muitos anos, aumentando ainda mais as suas fortunas sem serem tributados sobre este crescimento. E ainda, os super-ricos têm inúmeras oportunidades de explorar várias lacunas e isenções, incluindo a ocultação de riqueza em paraísos fiscais ou se valendo de diferimentos (adiamento) de tributos em fundos de investimentos em participações, como a lei permite no Brasil.

Consequentemente, as pessoas muito ricas pagam frequentemente uma proporção menor de imposto de renda, em comparação com as famílias de baixos rendimentos. Por exemplo, as informações da DIRPF de 2022 realçaram, mais uma vez, o aumento das parcelas derenda isenta e de tributação exclusiva de acordo comos estratos de renda mais altos: os 0,1% do topo têm 69,3% de seus rendimentos isentos, e 25,4% são tributados exclusivamente na fonte, enquanto a renda tributável respondeu por apenas 6,0% da renda total, de acordo com o relatório da RFB[4].

Portanto, o mito de que a carga tributária já é muito alta pode valer para os pobres, mas não para os super-ricos.


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