Semana de 4 dias funciona?

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Virgilio Marques dos Santos, sócio-fundador da FM2S Educação e Consultoria (Foto: Isaque Martins)

Por Virgilio Marques dos Santo

No dia 30 de abril, tomei conhecimento dos resultados prévios sobre a experiência de empresas no Brasil que adotaram a jornada reduzida da famosa semana de 4 dias. Segundo o relatório divulgado pela própria iniciativa, 4DayWeek, melhorias no comportamento e na produtividade dos funcionários são algumas das primeiras impressões das instituições participantes. Lendo essa informação, fiquei curioso e apreensivo.

Dados apontam que 22 empresas e “cerca de” 280 colaboradores participaram, mas uma já desistiu. E o grupo controle? Houve algum grupo de 22 empresas e o mesmo número de colaboradores que não entraram no projeto? Pelo que vi, não.

O relatório cita, brevemente, que a pesquisa teve entrevista qualitativa e questionário quantitativo ao longo do processo – a partir do início da metodologia até o momento, de setembro de 2023 a abril de 2024.

O site da iniciativa diz, em seu FAQ, que as métricas são medidas de acordo com referências já estabelecidas em cada empresa. Ou seja, cada uma ao seu modo. Esta falta de detalhamento e de padronização me preocupa – e friso que estou olhando sob a ótica da ciência, cuja aplicação nesse tipo de estudo exige muito preparo.

Resultados prévios

Segundo os pesquisadores, constatou-se que 61,5% das companhias notaram avanço na execução de projetos. E, em 58,5%, se obteve mais criatividade na realização das atividades.

Mas como medir o avanço na execução de projetos? E como atribuir o avanço exclusivamente à semana de 4 dias? O mesmo pode-se dizer da medição de criatividade.

Estudo criatividade há tempos e até a sua definição abre espaço para discussão. Em um artigo de 2018, a professora Tatiana Nakano explica a dificuldade para se medir a criatividade. Em sua conclusão, ela cita o estudo de Kyung Hee Kim (2011): “ao se abordar a possibilidade de avaliar a criatividade e os diferentes métodos, técnicas e instrumentos disponíveis, cuidado deve ser tomado em relação ao fato de que, ao tentar medir um construto tão complexo, a criatividade acaba, muitas vezes, sendo erroneamente tomada como um domínio geral, passível de ser avaliado por meio de um único instrumento”.

No caso, pelo dado solto fornecido pelo estudo da semana de 4 dias, não há menção, no relatório oficial, nem sobre a técnica utilizada, nem como isso foi aferido. Se existe, sem dúvida o método científico deveria constar na publicação, já que assegura a validade do estudo e a confiabilidade de seus dados e técnicas empregadas, protegendo-o de subjetividades – e demonstrando, inclusive, suas limitações, algo natural na ciência.

Sendo assim, poderíamos imaginar que as pessoas apenas responderam a questionários do tipo: “na sua percepção, a execução dos projetos melhorou?”; “você sente seu time mais criativo nesse período?”; e respostas assim podem ser enviesadas só pelas perguntas e estão longe de garantir que algo realmente aconteceu.

A divulgação segue afirmando que cerca de 58% dos funcionários beneficiados afirmam que passaram a conciliar melhor a vida pessoal e a profissional após o projeto. Em seguida, menciona, dentre outras porcentagens:

● Aumento de 78,1% na disposição para momentos de lazer;

● 50% reduziram os sintomas de insônia;

● 62,7%, reduziram o estresse no trabalho;

● 64,9% se sentem menos desgastados no final do dia; e

● 56,5% não estão frustrados como antigamente.

Ou seja, só sucesso, pelos resultados preliminares.

Agora, como medir a conciliação entre vida profissional e pessoal? Disposição para momentos de lazer? Sintomas de insônia? Enfim, todas variáveis cuja medição é bem complicada. Poderíamos medir o nível de energia e sono dos participantes por meio de pulseiras e relógios que inferem um valor de 0 a 100 baseando-se na frequência cardíaca e suas variações; mas será que foi feito?

Como foram isolados os efeitos de variáveis externas ao estudo? Por exemplo, se a empresa bateu meta ou se distribuiu lucro, isso foi retirado do estudo, para que haja a certeza de que o estresse diminuiu (ou o sono melhorou) unicamente por causa da semana mais curta? Como dizia meu orientador de doutorado: a ciência avança conforme o sistema de medição avança. Ou a famosa frase, atribuída ao Peter Drucker: se não podemos medir, não podemos gerenciar e nem melhorar.

Portanto, caros leitores, mesmo tendo em mente que trabalhar um dia a menos seja melhor para nossas vidas, se quisermos transformar isso em ciência, precisamos de rigoroso método científico – o que vale para pesquisas qualitativas e quantitativas.

Caso contrário, estamos falando em um estudo sobre percepções de 205 participantes, dos 280, que responderam ao questionário. E, assim, o máximo que podemos provar é que, para aquele conjunto de dados, a percepção foi de melhora. Enfatizo a palavra percepção, pois por meio dela eu garanto que essa melhora está circunspecta ao grupo que preencheu o questionário. Embora saibamos que é um projeto piloto, é necessário ter cautela na forma como os dados são divulgados à sociedade, por meio de notícias e redes sociais.

Efeito Hawthorne

Saindo um pouco dos entraves metodológicos, podemos perpassar pelos desafios já conhecidos durante a realização de estudos desse tipo. O mais famoso, o efeito Hawthorne. Esse é o nome dado ao fenômeno que ocorre quando as pessoas se comportam de forma diferente porque sabem que estão sendo observadas. Por exemplo, os trabalhadores podem aumentar ou diminuir a sua produtividade em resposta à atenção que recebem.

Essa conclusão ficou famosa depois que o time de pesquisadores aumentou a luminosidade na linha de produção e observou um aumento na produtividade. Desconfiado do resultado, o pesquisador chefe resolveu reduzir em outra área a produtividade, explicando que os estudos mostravam que um pouco mais escuro era melhor.

Após o teste, tanto os trabalhadores que estavam no ambiente mais iluminado como no mais escuro melhoraram significativamente sua produtividade. Conclusão: o sentir-se observado/assistido era um fator de impacto maior na produtividade do que a alteração na luminosidade.

Olhando para a pesquisa dos 4 dias, penso algo semelhante. Por que não fazer um desafio de 6 dias, por exemplo, aumentando os salários de forma proporcional? Inclusive, aparentemente na contramão desse movimento, temos o caso recente da Samsung, que deverá adotar a semana de 6 dias para executivos na Coreia do Sul.

Será que a percepção dos colaboradores também não será positiva? Se, em 1927, os estudos realizados pela Western Electric Company, em Chicago, do efeito Hawthorne, foram tão relevantes, por que não esperar que o atual não faça isso, também? Para pensar.

De qualquer forma, a pluralidade de iniciativas e o rigor do método científico podem nos ajudar a encontrar um caminho respeitoso, produtivo e de bem-estar na vida profissional.

Virgilio Marques dos Santos é um dos fundadores da FM2S, doutor, mestre e graduado em Engenharia Mecânica pela Unicamp e Master Black Belt pela mesma Universidade. Foi professor dos cursos de Black Belt, Green Belt e especialização em Gestão e Estratégia de Empresas da Unicamp, assim como de outras universidades e cursos de pós-graduação. Atuou como gerente de processos e melhoria em empresa de bebidas e foi um dos idealizadores do Desafio Unicamp de Inovação Tecnológica.


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