Memórias de meu maior mentor

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Virgilio Marques dos Santos, sócio-fundador da FM2S Educação e Consultoria (Foto: Isaque Martins)

No artigo de hoje, peço licença para prestar uma homenagem. Talvez você não o conheça, mas esse personagem foi a pessoa mais importante em toda a minha vida profissional. Quero usar este espaço para falar de meu pai, que, de tão perfeito, tinha muitos defeitos. Falar de alguém que se foi há pouco mais de um mês, de forma inesperada. Todos os 40 anos que passei ao seu lado foram especiais.

Como ele sempre incentivou demais a escrita, tenho que dividir com vocês alguns ensinamentos que formam a base dos meus valores pessoais, a começar pela educação. Desde cedo, ele e minha mãe sempre deixaram claro que estudar era algo importantíssimo. Lembro-me de meu pai falar repetidas vezes: “enquanto for criança, seu trabalho é o estudo. Assim como eu levo a sério o meu trabalho, você deve levar o seu. E, quanto maiores forem suas notas, maiores serão suas recompensas financeiras”.

Um boletim com notas baixas significaria um corte nos benefícios desfrutados, como tempo de videogame, horas de lazer e valor dos presentes de final de ano. Desde cedo, ele deixava claro para nós a importância do compromisso e da disciplina.

Ainda na educação, outra frase recorrente era: “estude sempre, pois o sucesso sem a educação é um voo de galinha”. Mesmo depois de formado, continuar estudando sempre foi algo incentivado por ele. Confesso que esse foi um dos pontos mais desafiadores, porque fazer mestrado e doutorado, na minha percepção da época, era o jeito mais difícil de ganhar pouco dinheiro. Desistir das vagas que apareciam em nome de investir no futuro foi difícil. Porém, aos 40, só posso falar: obrigado, pai.

Sem o apoio, supervisão, cobrança e investimento dele e de minha mãe, nunca teria conseguido trilhar uma carreira como a que estou hoje. Estou longe de ser o cara mais rico da turma, mas tenho um equilíbrio entre renda, paixão pelo que faz e vida familiar mais que suficiente. E trabalhar com educação é, para mim, uma sensação de que os ensinamentos do senhor Cal, como carinhosamente era conhecido, estarão presentes na vida de nossos alunos.

Um incentivador

Quando lembro do velho, vem à cabeça o orgulho que ele tinha do nosso esforço. A minha paixão por escrever certamente se origina aí. Aos 11 anos, tive um pequeno poema escolhido pela minha escola para ser publicado no jornal no dia da cidade, 24 de junho. Ao ler o texto, meu pai veio correndo para me parabenizar, transbordando de orgulho. Dar aquela alegria para ele com um simples texto rimado foi demais.

Além das felicitações pela publicação do poema, meu pai sempre comemorava qualquer uma das minhas pequenas conquistas. Fosse a ausência de anotações no diário de classe, fosse uma classificação em olimpíada de física, matemática, química, ou apenas um livro que havia lido; sempre havia um parabéns. Se nossas ações estivessem alinhadas aos valores, merecíamos reforço positivo. Ao ser pai, hoje vejo como isso é importante e como às vezes esquecemos de reconhecer os filhos. Esse, definitivamente, não era o problema dele.

Liberdade com segurança

Um valor importantíssimo para minha carreira que aprendi com ele foi o pragmatismo. Entender como as coisas funcionam e aprender a como atuar no mecanismo para que o resultado desejado fosse alcançado.

Se pedíamos aumento de mesada, algo que meu pai sempre foi contra, ouvíamos a pergunta: “o que vocês poderiam fazer para ganhar mais?”. “Como assim, pai, ganhar mais?”, perguntávamos. E ele discorria, nos anos 90, sobre opções para eu investir a minha mesada que talvez me fizesse ganhar mais. Se ao invés de comprar uma camiseta da copa de 94 eu comprasse dólar, as probabilidades poderiam sorrir para mim. O mesmo fez com ouro. Pesquisei sobre o tema e decidi trocar o Natal por 20 gramas de ouro.

Por sorte, os investimentos deram certo. Porém, se tivéssemos pedido, ele falava: “quanto maior o risco, maior o ganho. Se há ganho, pode haver perda, porque há risco”. Então, se a mesada virasse pó, não nos cabia a reclamação. Aliado ao prejuízo, meu pai sempre compartilhava uma história em que ele havia perdido um bom dinheiro. Segundo ele, tentativa e erro faziam parte da vida; só aprenderíamos errando.

Até hoje, pouco antes dele morrer, a segurança da liberdade sempre existiu. Após me formar, tive, como privilégio, a certeza: “faça o que achar melhor; sempre haverá uma cama para dormir, chuveiro para tomar banho e comida para se alimentar aqui em casa. Se precisar voltar, pode vir”. Por mais que nunca tenhamos precisado, utilizar essa cláusula sempre me deu base para arriscar.

Confiança e legado

Por último, lembro-me da primeira vez que senti a responsabilidade profissional nos meus ombros. Tinha 12 anos, 1996. Meus pais iriam sair de férias e fariam, pela primeira vez, uma viagem internacional. Na época, meu pai trabalhava como representante comercial de GLP para indústria e basicamente não tinha funcionários, apenas fornecedores.

No final de semana antes de viajar, ele me chamou e disse: “ficarei 25 dias fora com a sua mãe. Nossos clientes precisam de insumos. Aqui está o meu celular (na época, o celular brasileiro não fazia chamadas no exterior); fique com ele. Além disso, está aqui a minha agenda com o telefone da transportadora, dos clientes e dos fornecedores de insumo. Quando ligarem para você, contate o fornecedor e agende a entrega. Depois, confirme com a transportadora. No dia da entrega, liga confirmando e pronto”.

Por mais que seja uma tarefa simples, chegar da escola e garantir que o solicitado fosse executado tornou-se a minha missão. Quando eles nos ligavam, perguntando como estávamos, falava com orgulho que todo meu “trabalho” tinha sido feito e que as entregas continuavam a ser feitas. Foi assim que, aos 12 anos, experienciar o prazer do trabalho moldou meu jeito de encarar o ofício para o resto da vida.

Hoje infelizmente ele não irá mais voltar da viagem que fez em março. Contudo, nós continuaremos fazendo exatamente aquilo que ele nos ensinou e, parafraseando aquela música, “Espelho”, de João Nogueira e Paulo César Pinheiro:

“Ai, mas que saudade

Mas eu sei que lá no céu o velho tem vaidade

E orgulho de seu filho ser igual seu pai

Pois me beijaram a boca e me tornei poeta

Mas tão habituado com o adverso

Eu temo se um dia me machuca o verso

E o meu medo maior é o espelho se quebrar”

E assim resumo um nano parte dos aprendizados profissionais que o velho nos deixou.

Virgilio Marques dos Santos é um dos fundadores da FM2S, doutor, mestre e graduado em Engenharia Mecânica pela Unicamp e Master Black Belt pela mesma Universidade. Foi professor dos cursos de Black Belt, Green Belt e especialização em Gestão e Estratégia de Empresas da Unicamp, assim como de outras universidades e cursos de pós-graduação. Atuou como gerente de processos e melhoria em empresa de bebidas e foi um dos idealizadores do Desafio Unicamp de Inovação Tecnológica.


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