A tributação que deixa os ricos mais ricos: a urgência da reforma do IRPF

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Por Rosa Angela Chieza e Dieick Fabricio Klock

É preciso impedir que os contribuintes com as menores rendas sigam pagando proporcionalmente mais tributos no Brasil

A difusão de conteúdos distorcidos sobre tributação no Brasil tem sido uma das formas historicamente utilizadas por aqueles que pagam proporcionalmente menos tributos para legitimar a desigualdade produzida pelo Sistema Tributário Brasileiro.

 No primeiro semestre, a Câmara dos Deputados votou a reforma tributária, agora no Senado, que incide sobre o consumo, e a próxima etapa da reforma deverá tratar da tributação sobre a renda.

O Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF) é o tributo mais importante para implementar a justiça fiscal de acordo com a capacidade de pagamento do contribuinte, segundo a Teoria de Tributação Equitativa. 

Apesar de apenas 15% da população brasileira declarar o IRPF, os dados revelam a desigualdade de renda. Vejamos: analisando as declarações de renda de 2021, calendário 2020, fica explícita a geração da desigualdade e o descumprimento da Constituição Federal de 1988. Do total dos 31.634.843 declarantes analisados em Salários Mínimos (SM) revelam que no Brasil, contribuintes que recebem até 30 SM ao mês, à medida que a renda cresce, também cresce a alíquota efetiva paga, atingindo o valor máximo de 10,6%. No entanto, os declarantes que recebem acima de 30SM, à medida que a renda cresce, pagam proporcionalmente menos IRPF.

Por exemplo, os dados mostram que um contribuinte que recebe mais de 320 SM ao mês, contribui com apenas, 2,1% da sua renda, ao passo que contribuintes com renda mensal entre 5 e 7 SM pagam proporcionalmente mais (3,87%). Estes dados mostram que o IRPF fere o critério de progressividade, previsto no artigo 153 da Carta Magna de 1988, pois quem ganha mais paga proporcionalmente menos imposto. 

Além disso, os dados revelam que, à medida que aumenta a renda do contribuinte, maior é a parcela de sua renda isenta de tributação. Assim, àqueles contribuintes com renda superior a 320 SM mensais, que são apenas 28 mil brasileiros, e que representa 0,01% da população de 206 milhões (IBGE, 2023), têm aproximadamente 70% de suas rendas isentas de IRPF. Pagam imposto apenas sobre 30% do que ganham.

Ao mesmo tempo, os contribuintes com renda mensal entre 5 e 7 SM têm em torno de 15% de renda isenta ou não tributável, pagando IRPF sobre 85% dos ganhos. Este cenário que beneficia os contribuintes com as maiores rendas, decorre principalmente da aprovação da Lei nº 9.249/1995, que isentou de IRPF as rendas advindas de lucros e dividendos, norma esta que trata desigualmente as rendas provenientes do trabalho (salários) das rendas do capital (lucros e dividendos), fere o princípio da universalidade e contribui para que o país seja um dos mais desiguais do mundo.

 Esta medida amparou-se na Teoria da Tributação Ótima, escrita nos anos 1970 por teóricos como Mirrles que, ao constatarem que resultava em aumento da desigualdade, os mesmos autores reescreveram os novos postulados desta teoria nos anos 2010 e passaram a defender a tributação sobre estas rendas advindas de lucros e dividendos. No mundo, apenas o Brasil e a Estônia ainda não corrigiram esta distorção.

Estas rendas historicamente não tributadas transformam-se em patrimônio. E neste sentido, os dados da DIRF em análise mostram que somente os declarantes que recebem mais de 160 SM por mês (72.336 pessoas) têm patrimônio acima de R$ 10 milhões. Estes dados apontam o caminho para o cumprimento do artigo 11 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF/2000): “Constituem requisitos essenciais da responsabilidade da gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos de competência constitucional do Ente da Federação”. É da União a competência para instituir, prever a arrecadar, o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), ainda não regulamentado após 23 anos de vigência da LRF, tributo que outros países desenvolvidos já adotaram visando o cumprimento das funções econômica, distributiva e fiscal do tributo. 

A desigualdade não é um fato natural conforme aponta o economista Thomas Piketty em seu livro Capital e Ideologia. Decorre de decisões econômicas, políticas e institucionais tomadas ao longo do processo histórico. Por que a desigualdade existe e por que ela é suportada, em especial por aqueles que mais pagam tributos? Ou, em outras palavras, qual é a ideologia utilizada ao longo do tempo para legitimar a desigualdade? O autor aponta pelo menos quatro regimes e narrativas utilizadas para legitimar a desigualdade, entre as quais o Regime Tributário.

Portanto, a reforma tributária sobre a renda que entrará em pauta a seguir no país, precisa alterar esse fator central na geração de extremos entre pobres e ricos para evitar que o Brasil siga na “mudança que não muda”. É necessário, no mínimo, que corrija estas iniquidades.

Esperamos que esta análise de dados oficiais contribua para iluminar as mudanças e impedir que os contribuintes com as menores rendas sigam pagando proporcionalmente mais tributos no Brasil. Como acréscimo, faz-se necessário exercer a cidadania e fortalecer a correlação de forças políticas no Parlamento em favor da redução das desigualdades que fragilizam a democracia e a retomada do crescimento econômico.

(*) Rosa Angela Chieza é Professora dos Programas de Pós-graduação em Economia Profissional e em Política Social e Serviço Social, ambos na UFRGS e Integrante do Instituto Justiça Fiscal/IJF.

Dieick Fabricio Klock é economista e internacionalista formado pela UFRGS.


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