Biólogo alerta para o impacto da cultura da soja nos rios e ecoturismo em Bonito, Mato Grosso do Sul
Região de Bonito encanta os turistas com seus rios com águas cristalinas e rica biodiversidade
Novo fenômeno da turbidez das águas ameaça o modelo considerado um exemplo de harmonia entre atividade turística e conservação dos ecossistemas
O biólogo José Sabino, um dos pesquisadores que contribuíram com informações científicas para a estruturação do bem-sucedido projeto de ecoturismo em Bonito e outros dois municípios vizinhos, região de exuberante beleza natural no estado de Mato Grosso do Sul, alerta para o impacto ambiental da cultura da soja em escala industrial nos rios locais.
Algumas propriedades no entorno dos municípios não respeitam a proteção legal às matas ciliares, que margeiam os rios, o que vem ocasionando o assoreamento desses corpos d’água. O principal dano ao turismo em Bonito é o aumento da turbidez das águas dos rios, que crescentemente leva ao cancelamento de passeios de flutuação com esnórquel para a visualização da fauna aquática, afirma José Sabino em depoimento ao Conselho Regional de Biologia da 1ª Região (CRBio-01).
“A partir de 2015, houve uma expansão muito grande do uso da terra para a agricultura na região, principalmente para a cultura da soja em escala industrial. Certos proprietários não respeitam a proteção legal às matas ciliares, o que ocasiona o assoreamento dos rios”, ressalta Sabino, que tem doutorado pela Unicamp e é professor da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (Uems).
As cerca de 60 atrações turísticas estão localizadas em propriedades em três municípios na Serra da Bodoquena: Bonito, Jardim e Bodoquena. Os passeios incluem flutuações com esnórquel e boias em rios, visitas a grutas e cavernas com estalactites e lagoas internas com estalagmites, trilhas, cachoeiras, rapel e observação de animais silvestres.
Em 1994, Sabino, que então estudava o comportamento de peixes em seu doutorado na Unicamp, passou férias com a família em Bonito e se encantou com a combinação única de biodiversidade riquíssima em rios com águas cristalinas na região. Ele percebeu que os peixes poderiam servir como bioindicadores confiáveis para balizar com referências métricas a saúde dos ecossistemas que começavam a ser impactados pela incipiente atividade turística no local.
Já em 1994, Sabino começou a prestar serviços de consultoria para proprietários que estruturavam passeios em suas fazendas. Ele se juntou a um grupo de especialistas, como o pioneiro geólogo Paulo Boggiani, que fornecia embasamento científico para a organização dos passeios turísticos e treinamento de guias em cursos oferecidos pelo Sebrae em parceria com a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS). Com base em informações científicas dos especialistas, os proprietários e o poder público criaram protocolos para a exploração do turismo em Bonito com a conservação dos ecossistemas.
Os protocolos preveem, entre outros pontos, limites máximos para o número de turistas por passeio, o monitoramento das atividades por profissionais treinados, o acompanhamento dos grupos por guias, a instalação de estruturas adequadas nos locais e o uso de equipamentos de segurança.
Os ingressos para os passeios são centralizados no chamado voucher único, adquirido pelos turistas em agências cadastradas. A receita das vendas é rateada entre a Prefeitura (5% de ISS), agências (20%), guias (10%) e proprietários (65%).
O planejamento e organização permitiram o desenvolvimento de uma indústria turística pujante no local, que concilia a geração de emprego e renda com a conservação ambiental. Segundo Sabino, os três municípios recebem anualmente de 200 a 220 mil turistas, que realizam cerca de um milhão de visitas aos ambientes naturais por ano. O setor propicia aproximadamente 7 mil empregos diretos e indiretos nos municípios, que contam com uma rede hoteleira de quase 4 mil quartos.
Nas propriedades onde estão as atrações, muitas delas reservas particulares do patrimônio natural (RPPNs), os ecossistemas são protegidos. O mesmo não acontece nos municípios no entorno.
“O setor de turismo de Bonito tem uma governança robusta, mas os problemas vêm de fora. Seria preciso expandir a governança, incluindo os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e outras instâncias estaduais”, sugere Sabino. “Eu não sou contra o agro, que é inegavelmente importante. Sou contra o agro mal feito, que não respeita as áreas de preservação permanente, as APPs. As matas ciliares têm que ser sagradas. Os proprietários já têm uma área enorme. Por que a ganância de plantar até as margens dos rios sem respeitar os limites das APPs?”
Leia AQUI a entrevista completa e ouça ao podcast com José Sabino a partir da página 26 da nova edição da revista O Biólogo, publicação do CRBio-01.