Sérvia importa projetos adota o modelo no qual a elite sacrifica a segurança ambiental pelo crescimento econômico
A Nova Rota da Seda (Belt and Road Initiative) é uma iniciativa da China para espalhar sua influência através do investimento em projetos de todo o mundo, voltados sobretudo a infraestrutura e transporte. A Sérvia é peça importante da iniciativa chinesa, mas não sem pagar um alto preço por isso. Sobretudo no que tange ao meio-ambiente. A constatação é de Vuk Vuksanovic, pesquisador da Escola de Economia e Ciências Políticas de Londres.
“A Sérvia, um importante elo da Nova Rota da Seda, está importando da China projetos econômicos prejudiciais ao meio-ambiente, ao mesmo tempo em que adota o modelo político chinês no qual a elite sacrifica a segurança ambiental e a saúde pública em prol do crescimento econômico e para permanecer no poder”, diz Vuksanovic, em artigo publicado na revista Foreign Policy.
Segundo o pesquisador, entre 2010 e 2019, a China investiu 1,6 bilhão de euros na Sérvia, que ainda recebeu outros 7 bilhões de euros em empréstimos chineses para obras de infraestrutura. À primeira vista, o negócio parece ótimo. “Pequim estava disposta a assumir antigas instalações industriais endividadas que estavam perdendo dinheiro, mas ainda forneciam emprego e sustento para famílias da classe trabalhadora sérvia”.
O problema é o que acompanha os investimentos. “Um dos motivos por trás da Nova Rota da Seda é a terceirização da poluição e da degradação ambiental para países mais pobres e distantes, com extrema necessidade de financiamento de infraestrutura e desenvolvimento socioeconômico, cujos governos ignoram os riscos ambientais”, diz Vuksanovic. “Belgrado parece ter adotado o modelo de ‘política tóxica’ de Beijing, favorecendo o crescimento econômico e a legitimidade política, enquanto ignora as ameaças ambientais que a população enfrenta”.
No caso da Sérvia, as empresas chinesas não se enquadram nos rígidos padrões ambientais da Europa, e assim surgem os efeitos nefastos do alto investimento sem projeção prévia do impacto ambiental. Um dos maiores vilões da degradação ambiental causada pela Nova Rota da Seda é a energia produzida por usinas a carvão, uma especialidade chinesa. “A China é viciada em carvão na produção de energia, ainda respondendo por metade do consumo global de carvão. Em 2020, a China construiu três vezes mais usinas a carvão que o resto do mundo combinado”, diz Vuksanovic.
Na cidade de Smederevo, a leste da capital Belgrado, a população protestou em agosto do ano passado contra a poluição do ar e do solo causada pela usina siderúrgica a carvão de Zelezara, propriedade da chinesa Hesteel. À época, a Unesco destacou que, no entorno da usina, é possível ver a poeira preta e vermelha caindo do céu, o que viola convenções sobre direitos humanos das quais a Sérvia é signatária.
Um telão chegou a ser instalado pela população no centro de Smederevo, a fim de exibir os índices de qualidade do ar medidos pela Sepa (Agência de Proteção Ambiental da Sérvia, da sigla em inglês). Em junho deste ano, porém, a ONG Protok21 denunciou que o sistema de medição estava desativado, segundo o site local Politika. E levantou a suspeita de que isso aconteça sempre que os índices de poluição estão muito altos.
Por um lado, Vuksanovic condena os chineses por se aproveitarem da situação. “O principal objetivo do governo chinês é vender o excedente de sua tecnologia relacionada ao carvão e realocar forças de trabalho relacionadas ao carvão no exterior”, diz ele, para então jogar a culpa no colo do presidente Aleksandar Vucic: “A responsabilidade final é do governo sérvio, não da China”.
O pesquisador lembra uma entrevista do político em 2015, quando ainda era primeiro-ministro. Questionado sobre as razões que teriam levado a China a investir na Sérvia, Vucic respondeu de forma evasiva. “É porque eles têm seus interesses”. E deu de ombros para a questão ambiental: “Acho que é por causa do ar puro, do qual não tenho conhecimento suficiente, para ser honesto com você. E por que eu deveria me preocupar com isso?”.
0 Comentários
Os comentários estão fechados.