Relacionamentos contemporâneos: primeiro livro de Raisa Santos traz como tema desencontros amorosos 

“Delírios: vozes de amores não vividos” aborda contos de amores em vertigem, passando por assuntos como relacionamentos com inteligência artificial, cultivo do amor próprio e sequelas do luto de um término

Em um dos contos de “Delírios: vozes de amores não vividos” (editora Paraquedas, 90 pág.), primeiro livro da escritora paulista Raisa Santos, uma mulher no auge dos seus 70 anos se percebe aceitando seu corpo pela primeira vez e decide sair nua pela pequena cidade em que mora. O ato, no mínimo inusitado, causa um alvoroço no lugar e o que se desenrola a partir daí evidencia a linha tênue entre lucidez e delírio, além da análise de sentimentos profundos, marcas da obra. 

Composto por seis histórias, com personagens, cenários e enredos diferentes, “Delírios” traz a pretensão de ser um livro de contos sobre amores não vividos. “Os amores que não vivemos são os que mais pensamos a respeito. Passamos dias – às vezes anos – refletindo sobre tudo o que poderia ter sido se tivéssemos tomado outras decisões. Por isso, esses são os amores que nunca deixaram de ser lembrados”,  argumenta a autora.  Para ela, esses amores têm um mix de idealização e rejeição que nos deixam dependentes. “Às vezes nos libertamos; outras vezes, nos tornamos eles”. 

Uma das qualidades do livro é a inventividade que a escritora emprega em cada história. O desafio para o autor que se propõe a escrever uma obra com narrativas diversas sem conexão entre si é que elas sejam realmente distintas, e Raisa entrega ao leitor enredos díspares na forma.

A criatividade é empregada também na condução da trama. A escrita envolve o leitor e o instiga a seguir em frente. O ponto alto é justamente o fim da história que sempre reserva um desfecho não previsível. Destaque para o conto Carnavais, que narra como um encontro de três jovens casais de amigos toma um rumo inesperado. Raisa pontua que partiu da pergunta “E se juntássemos em uma mesma casa várias histórias de amores mal resolvidos durante todo um feriado?”, para desenhar o enredo. O artifício argumentativo, comenta ainda a autora, é também a linha norteadora da maioria dos textos. “Sempre amei criar narrativas que pudessem testar cenários e possibilidades”, revela. 

A autora traz histórias com dilemas e vivências contemporâneas, como, por exemplo, as angústias da pandemia, um namoro intermediado por inteligência artificial e a relação entre pessoas cis e transexuais. Em “Delírios”, Raisa demonstra sensibilidade à essência cultural contemporânea, navegando pelas complexidades da vida cotidiana ao criar uma narrativa provocativa e cativante, que prende o leitor até o desfecho.

Da menina contadora de histórias à mulher escritora

Raisa Santos é comunicadora formada em jornalismo pela PUC-SP e pós-graduada em Liderança e Gestão de Pessoas pela USP. Profissionalmente tem uma carreira na área de comunicação em multinacionais, atuando em empresas como Johnson & Johnson e Oracle. No trabalho usa a sensibilidade para aproximar os mundos corporativos e literários. “Me especializei em ajudar líderes a contarem suas histórias e engajar pessoas em seus propósitos desenvolvendo em conjunto narrativas envolventes”, explica. 

O gosto pela escrita nasceu quando ela era criança. Aos 10 anos começou a rascunhar as primeiras cenas e tramas, a primeira obra terminou com 13 anos. “Tinha fascínio por criar uma história nova e recheá-la com personagens”, revela. Tudo começou na escola,  a estudante gostava de pegar os desafios de redação que os professores deixavam nos quadros para outras turmas e fazer os próprios textos. 

Ainda assim, levou mais de 20 anos entre as primeiras histórias inventadas e a publicação do primeiro livro. O longo tempo foi providencial para amadurecer a escrita da jovem, cercar os temas que mais lhe atraíam e indicar o gênero literário que cabia em suas narrativas. A espera também teve a ver com o receio em mostrar-se para o mundo. Em “Delírios”, dois dos seis contos da obra foram escritos a partir de vivências da própria autora. 

Para Raisa o lançamento do livro é um marco de coragem. “Sempre escrevi apenas para mim e guardava”, conta. “Levar esses sentimentos para fora é uma exposição que ainda estou aprendendo a lidar”. Para a escritora é como se os leitores estivessem vendo uma parte dela que nunca foi a público e que Raisa sempre quis esconder. “Esse livro me transformou numa escritora e ele deixa aquela menina de 10 anos muito orgulhosa em ter começado tudo isso”.  


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