Provas contra Bolsonaro: PF quer evitar “trauma” da Lava Jato

Não é suficiente argumentar que o golpe não ocorreu; se ele foi planejado, já se trata de um crime

Quando surgiram as primeiras informações de que a delação de Mauro Cid era cheia de “narrativas”, o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, disse que já estava em busca de provas.

“A PF entende a colaboração premiada como meio de obtenção de provas, independente de solicitação de outro órgão. Não vejo isso como motivo para questionar um ato juridicamente válido”, disse Rodrigues.

Ontem, elas começaram a aparecer. A PF tem em seu poder um vídeo, datado do dia 5 de julho de 2022, de uma reunião convocada por Bolsonaro com a alta cúpula do seu governo. Estão presentes praticamente todos os ministros.

No encontro, o então presidente faz uma série de ataques ao sistema eleitoral e diz que seus ministros precisam “se expor”, que não podem se “esconder”.

“As pesquisas estão exatamente certas. De acordo com os números que estão dentro dos computadores do TSE (…) Nós vamos esperar chegar 3, 24, pra se f*? Depois perguntar: por que não tomei providência lá atrás?”, questiona Bolsonaro.

O tom mais claramente golpista é de Augusto Heleno, então chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI): “E vai chegar a um ponto que nós não vamos poder mais falar. Nós vamos ter que agir. Agir contra determinadas instituições e contra determinadas pessoas. Isso para mim é muito claro”.

Não interessa se Bolsonaro acreditava ou não que havia fraude no sistema eleitoral. Ele não tinha provas disso e estava utilizando a estrutura pública e dando ordens a seus subordinados para disseminar uma narrativa mentirosa.

As evidências contra o ex-presidente não param por aí, mas depois são um pouco mais frágeis.

Segundo a PF, depois das eleições, os assessores Filipe Martins e Amauri Feres Saad apresentam a Bolsonaro uma minuta de um decreto golpista, detalhando interferências nos Poderes, determinando a prisão de autoridades e a realização de novas eleições.

Bolsonaro não só concorda com a minuta, como sugere mudanças e depois a apresenta para os comandantes das Forças Armadas na tentativa de coagi-los a apoiar a insurreição, de acordo com as investigações.

Nesse ponto, não fica claro se a PF já dispõe de evidências além da colaboração premiada de Mauro Cid de que tudo isso ocorreu.

Mas a julgar pela forma como a Polícia Federal vem agindo até agora, se ainda não tem essas provas, continuará buscando.

Ontem, os investigadores encontraram outro documento, apócrifo, com argumentos para estado de sítio na sala de Bolsonaro no Partido Liberal. Vai ser mais um elemento para investigação.

Com todas essas evidências, por que Bolsonaro não foi preso até agora?

Afinal, não é suficiente argumentar que o golpe não ocorreu; se ele foi planejado, já se trata de um crime.

A questão é que a investigação está em curso e prisão preventiva só é decretada para flagrante, fatos recentes ou risco de fuga. Nenhum desses elementos está presente.

A PF determinou a apreensão do passaporte e o ex-presidente entregou.

Politicamente, tudo que o governo atual não quer é transformar Bolsonaro em um mártir, colocando o ex-presidente na cadeia antes de ter provas suficientes.

Por isso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) falou ontem que Bolsonaro vai ter a “presunção de inocência” que ele não teve.

Lula passou um ano e sete meses na cadeia, acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Acabou saindo depois que os prazos expiraram e o juiz Sergio Moro foi considerado parcial.

A PF e o Ministério Público não querem cometer os mesmos erros no caso de Bolsonaro.

Na visão de alguns advogados, no entanto, uma ponta pode estar solta e ela já começa a ser explorada pela oposição.

Ontem, o líder da oposição no Senado, Rogério Marinho, afirmou que o ministro Alexandre de Moraes não poderia ser o relator do caso, porque ele também é vítima.

Moraes foi monitorado pelos golpistas, e a minuta avalizada por Bolsonaro previa a prisão dele.

Para alguns criminalistas, o ministro deveria ter se declarado impedido e passado o caso para um colega para evitar qualquer dúvida.

Outros criminalistas acreditam que a “vítima” era o próprio Estado democrático de Direito.


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