Os crimes do conselheiro do papa Francisco que o levaram a ser condenado à prisão
Um tribunal do Vaticano condenou o cardeal italiano Angelo Becciu, antigo conselheiro do Papa Francisco, a cinco anos e meio de prisão por crimes financeiros.
Becciu, de 75 anos, foi o funcionário mais graduado do Vaticano a enfrentar acusações como essa e já foi visto como um candidato papal.
O julgamento centrou-se num negócio imobiliário em Londres que terminou em enormes perdas para a Igreja Católica.
Ele negou veementemente as acusações, incluindo peculato e abuso de poder.
O advogado do Cardeal Becciu disse que o seu cliente é inocente e que vai recorrer da decisão.
Ele estava sendo julgado com outros nove réus. Todos foram condenados em algumas acusações e considerados inocentes em outras.
O julgamento, que expôs lutas internas e intrigas nos mais altos escalões do Vaticano, já durava dois anos e meio.
Depois de três juízes terem passado mais de cinco horas discutindo sobre o veredicto, o Presidente do Tribunal, Giuseppe Pignatone, anunciou que o Cardeal Becciu tinha sido condenado por peculato.
Os outros, que incluíam financiadores, advogados e ex-funcionários do Vaticano, foram acusados de vários crimes, incluindo fraude, lavagem de dinheiro e abuso de poder. Todos negaram qualquer irregularidade.
“Reafirmamos a inocência do Cardeal Angelo Becciu e recorreremos”, afirmou o advogado de Becciu, Fabio Viglione, após a sentença. “Respeitamos a decisão, mas definitivamente apelaremos”.
O caso – o primeiro de um cardeal a ser julgado num tribunal do Vaticano – foi motivo de intriga e fraude. Envolveu alegações de impropriedade financeira na cúpula do Vaticano, atividades clandestinas que muitas vezes caracterizou o mundo secreto da Santa Sé.
Estava localizado num edifício não no Vaticano, nem mesmo em Roma, mas a mil quilômetros de distância, em Londres – na avenida Sloane, número 60, na abastada Chelsea, um antigo armazém pertencente à loja de departamentos Harrod’s.
Em 2014, o Vaticano gastou mais de 200 milhões de euros (R$ 1,07 bilhão) na aquisição de uma participação de 45% no edifício, que estava previsto para ser convertido em apartamentos de luxo. Em 2018, a Secretaria de Estado do Vaticano decidiu comprar a propriedade imediatamente, investindo mais 150 milhões de euros (R$ 808 milhões) na compra.
Quem assinou todo o acordo foi o Cardeal Becciu, que era na época o Substituto do Vaticano para Assuntos Gerais – na verdade, chefe de gabinete do Papa.
O dinheiro, parte do qual se destinava a obras de caridade, foi pago a um fundo gerido pelo financista italiano Raffaele Mincione, com sede em Londres, que planejou a compra.
Quando o Secretariado procurou mais tarde ajuda financeira do próprio banco do Vaticano, isso gerou preocupação – e uma rusga por parte da polícia do Vaticano que levou às acusações contra Becciu, Mincione e outros oito.
Mas a investigação sobre Becciu não se limitou ao negócio imobiliário em Londres.
O cardeal também foi acusado de desviar vastas somas de dinheiro para a sua diocese natal, em Sardenha, uma das quais teriam beneficiado a sua família. Há uma acusação de que ele pagou quase 600 mil euros (R$ 3,2 milhões) a outra acusada, Cecilia Marogna, para ajudar a libertar uma freira raptada em Mali.
Os promotores disseram que ela gastou grande parte do dinheiro em bens de luxo e férias. Marogna, que ofereceu seus serviços ao Vaticano como especialista em inteligência, visitou a residência de Becciu em diversas ocasiões. Ambos negaram as acusações de relacionamento sexual.
As acusações contra Becciu fizeram dele o primeiro cardeal julgado por crimes financeiros. Também levou o Papa Francisco a retirar seus direitos, incluindo o de votar num futuro conclave para selecionar o sucessor de Francisco.
Depois de ter sido destituído do cargo pelo Papa em 2020, ele deu uma entrevista coletiva para defender sua inocência.
“Até às 18h02 de quinta-feira, senti-me como um amigo do Papa, um fiel executor do seu testamento”, disse o cardeal Becciu. “Então o Papa diz que não tem mais fé em mim.”
Todo o caso tornou-se um teste para o objetivo do Papa Francisco de limpar as finanças do Vaticano, que foram, durante muito tempo, atormentadas por escândalos que preocuparam o papado do antecessor de Francisco, Bento 16.
O resultado do caso poderá ter implicações significativas para o legado de Francisco como reformador.