Por Sebastião Santarosa

O estudante secundarista Daniel Henrique vem mantendo contato comigo desde o início da pandemia e do consequente processo de implantação do projeto de EaD pelo governo do Paraná na educação básica. Como porta-voz de outros estudantes como ele, Daniel denuncia as dificuldades e o baixo nível de aprendizagem desenvolvido neste período. Nas palavras dele, a grande parte dos estudantes não aprendeu absolutamente nada. Foram praticamente dois anos perdidos.

 

Daniel acha injusto receber o certificado de conclusão do Ensino Médio dessa forma. De acordo com ele, seriam necessárias a anulação desse período e a criação de aportunidade a todos os estudantes que desejarem para se matricularem novamente nas séries dos anos perdidos e retomarem os estudos, de forma presencial, nos próximos anos.

 

Demonstrando mais lucidez e mais responsabilidade do que muitos adultos que ocupam espaços nas esferas de poder, Daniel Henrique levou essa pauta a representantes de entidades estudantis, a dirigentes de sindicatos de professores, a gabinetes de deputados, a agentes da justiça na área da infância e da juventude e à própria Secretaria Estadual da Educação. Obviamente, não obteve nenhuma resposta, não obteve nenhum apoio.

 

Extremamente angustiado com o descaso generalizado com o processo de ensino e aprendizagem de nossa infância e de nossa juventude, Daniel me pergunta, insistentemente, o que podemos fazer.

 

Antes de tudo, Daniel, o que não podemos perder é nossa capacidade de indignação. Nós não podemos achar que as coisas são assim mesmo e que não há o que se fazer. Com Bertold Brecht, não podemos consentir com a arbitrariedade, não podemos achar natural a desordem organizada e muito menos a perversidade dos projetos de humanização desumanizados. Também não podemos, Daniel, perder nossa capacidade de sonhar. É preciso usar nossa indignação para despertar aqueles que dormem. Com os olhos bem abertos e os pés firmemente fincados no chão, precisamos sonhar juntos.

 

Não é possível permitirmos que se percam no esquecimento os sonhos de justiça, de igualdade e de liberdade construídos com tanto empenho por tantos que nos antecederam. Sabemos muito bem que a justiça social, a igualdade e a liberdade só são possíveis em uma sociedade em que a educação – a formação integral de nossas crianças e de nossos jovens – seja, de fato, prioridade absoluta.

 

Quando o estudante Daniel Henrique demonstra sua indignação afirmando que ninguém aprendeu nada durante o período da pandemia e que esses anos escolares deveriam, por justiça, serem refeitos, ele está, praticamente sozinho, tentando desmascarar uma enorme farsa político-pedagógica que vem destruindo, a passos largos, a educação pública do estado do Paraná.

 

Sou professor há trinta anos. Durante todo esse período de exercício profissional, nunca a escola do Paraná foi tão ruim. Nunca houve antes em nossas escolas tanto desalento, tanta tristeza, tanta falta de perspectivas. Nossas escolas estão doentes. E, hoje, há um agravante: a apatia de professores e de estudantes também nunca foi tão grande.

 

Há entre nós um conformismo absurdo, uma esperança besta de que as coisas irão mudar em um passe de mágica, como se de repente, pela vontade dos deuses, professores e estudantes serão respeitados e a escola pública será valorizada. Tão cruel quanto a política educacional de Ratinho Júnior e a apatia de nosso povo.

 

Vejam agora o projeto de destruição do plano de carreira dos professores que está sendo apresentado para votação na Assembleia Legislativa do Paraná. Grande parte do professores está fazendo cara de paisagem, agindo como se não tivessem nada a ver com isso, como se as coisas fossem assim mesmo e não houvesse nada o que se fazer. Dizem que estão cansados e querem curtir o Natal. O conformismo e a apatia chegam a dar nojo.

 

O que podemos fazer, Daniel? Continuar falando, continuar denunciando, gritando quando possível. Bakhtin nós ensina que toda palavra terá seu momento de glória e de ressurreição. Não nos deixemos nos abater. De mãos dadas, continuemos nossa luta com elas, as palavras. Embora pareça luta vã, é com elas que preparamos o amanhã.

 

Concordo com você: todos os estudantes, por direito legal ao ensino e à aprendizagem, deveriam, se quisessem, poder refazer esses dois últimos anos escolares.

Escrito por:

0 Comentários

Os comentários estão fechados.

Você também poderá gostar de:

[related_post]