Por Thiago José da Rocha

 

Caro Sr. Secretário da Educação do Estado do Paraná e Sr. Governador do Estado do Paraná.

 

Como historiador e sociólogo, sempre soube que a Educação nunca foi uma das prioridades de qualquer plataforma política existente no Brasil, independentemente de governo. O que enxergamos são falácias, mentiras, promessas feitas em período de campanha eleitoral, mas que depois de eleitos, nossos representantes fecham em seus gabinetes, de onde defendem interesses próprios e particulares, típico do estado patrimonialista brasileiro.

 

Escrevo esse manifesto por estar, assim como milhares de outros professores, profundamente estarrecido com os mandos e desmandos dessa Secretaria de Educação sem, ao menos, consultar os educadores ou comunidade escolar acerca da diminuição da carga horária das disciplinas de Arte, Filosofia e Sociologia da grade curricular do Ensino Médio da rede pública de educação do estado do Paraná. Uma mudança que foi imposta a toda a rede de educação paranaense, sem nenhum tipo de discussão ou debate.

 

Sobre a importância da Arte para a Educação Básica, as próprias Diretrizes Curriculares elucidam que o ensino dessa disciplina deixa de ser coadjuvante no sistema educacional para se ocupar também do desenvolvimento do sujeito frente a uma sociedade construída historicamente e em constante transformação, e que as diferentes formas de pensar a Arte e o seu ensino são constituídas nas relações socioculturais, econômicas e políticas do momento histórico em que se desenvolveram. Nesse sentido, as diversas teorias sobre a Arte estabelecem referências sobre sua função social, tais como: da arte poder servir à ética, à política, à religião, à ideologia; ser utilitária ou mágica; transformar-se em mercadoria ou simplesmente proporcionar prazer.

 

A Filosofia, por sua vez, é marcada pelo pluralismo de ideias, o que permite pensar de maneira específica cada um dos conteúdos estruturantes apresentados nas próprias Diretrizes Curriculares, e seu ensino não pode perder algumas características essenciais da disciplina, como por exemplo, a capacidade de dialogar de forma crítica e autônoma. Não se pode ensinar Filosofia a não ser através do próprio ato de filosofar. No entanto, a Secretaria de Educação do Paraná não levou em conta que a redução da carga horária dessa disciplina afetará, justamente, a capacidade filosófica de nossos alunos e impedirá que eles tenham contato com a diversidade de temas/conteúdos trabalhados por essa disciplina, tão caros e necessários para a sociedade globalizada e multifacetada em que vivemos atualmente.

 

E, por fim, mas nem por isso menos importante, a Sociologia, ao abordar a sociedade contemporânea em suas múltiplas dimensões (social, econômica, política, cultural etc.) contribui para que o aluno compreenda melhor as relações sociais e as instituições, o que é essencial para sua inserção no mundo do trabalho, bem como ajuda a dotar os estudantes de maior consciência de seus direitos e deveres enquanto cidadãos. A Sociologia permite a compreensão do tecido social do qual o aluno pertence, ajuda-o a entender os jogos de poder e, principalmente, os conflitos que estão presentes, diariamente, na sociedade em que vive, além de permitir que, através das lições da Sociologia, ele tenha a capacidade de ajudar na transformação da realidade na qual está inserido.

 

Felizmente, sabemos que a educação se apresenta como o processo socializador por excelência. Entretanto, e INFELIZMENTE, esse processo depende formalmente da vontade política dos dirigentes – dirigentes esses que não têm conhecimento algum das distintas realidades escolares do Estado. Aqui se coloca também a questão dos avanços e retrocessos frequentes no processo de redução das cargas horárias no sistema formal de ensino. Essa intermitência diz respeito ao processo político na escolha das disciplinas formativas e culturais.

 

Nesse caso, a redução da carga horária dessas disciplinas descumpre instrução normativa n. 015/2006 – SUED/SEED, que defende o princípio de equidade entre as disciplinas, de modo a garantir um mínimo de duas aulas semanais para todas as disciplinas nas séries em que são ofertadas.

 

Lido isso, como o professor pode lidar com esse processo de redução de carga horária? É cômico se não fosse triste. Os prejuízos pedagógicos decorrentes dessa diminuição de carga horária são gigantescos: muitos conteúdos, poucas aulas, muitos estudantes em sala, além de um número sem igual de burocracias que o Estado nos impõe, por meio da Secretaria de Educação e dos Núcleos Regionais:  papéis a preencher, planos de ação para discutir, estratégias a serem elaboradas, pais que não comparecem à escola, Conselho Tutelar ineficaz, entre outros problemas que os gestores e educadores encontram em seu cotidiano.

 

E o que ouvimos dos dirigentes é a seguinte frase: “vocês têm que resolver o problema!” Porém, não nos dão um subsídio para que isso seja solucionado. Poderia aqui descrever inúmeros problemas de estrutura física das escolas, mas gostaria que você leitor fosse até uma escola pública e tirasse suas próprias conclusões do descaso do Estado com a educação do seu filho.

 

E, em relação aos professores, nem sei por onde começar! Não vou falar sobre as questões salariais dos educadores, pois esse não é o intuito desse manifesto, mas isso é uma negligência do Estado para com a formação dos educadores.

 

Como professor de História e Sociologia, vejo o fim das Ciências Humanas na educação pública do Estado do Paraná. Ao elaborar o Plano de Trabalho Docente do 1º Trimestre de 2021, a partir das orientações da SEED, me senti angustiado, triste e frustrado. Contando o número de aulas entre o dia 18 de fevereiro ao dia 21 de maio (quando se encerra o trimestre), percebi que terei apenas 12 aulas para ministrar aos meus educandos e, entre essas aulas, eu terei que explicar teorias e conceitos, elaborar atividades e avaliações, promover uma recuperação de estudos e, além disso, possibilitar “o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico”. Em síntese, devo ser capaz de: i) formar cidadãos conscientes; ii) preparar para o mercado de trabalho e; iii) dar condições dos estudantes acessarem o Ensino Superior, de acordo com a  Lei de Diretrizes e Base da Educação (1996).

 

Mas vocês, leitores, poderiam afirmar: “Ah, mas o bom professor consegue fazer isso!” Realmente, o bom professor consegue. Porém, o bom professor é aquele que tem uma formação adequada, valorização profissional, carga de trabalho justa, salário adequado, condições de trabalho apropriadas, entre outros fatores.

 

Estamos à mercê de uma secretaria que não sabe o que está fazendo. Nosso secretário não é educador, desconhece os princípios básicos que regem nossa LDB. Nosso secretário é da administração privada e pouco conhece dos problemas que a educação pública do Paraná vem sofrendo, pois, certamente, está interessado mais na lógica do capital do que com a formação humana de nossos educandos.

 

Faço um questionamento também aos propositores do Currículo Priorizado de Arte, Filosofia e Sociologia: como vocês elaboraram essa proposta? Quais aspectos pedagógicos levaram em consideração? Que tempo previsto utilizaram para estabelecerem esses conteúdos? Afirmo, com certeza, que apenas fizeram um “Ctrl+C / Ctrl+V (Copia/Cola)” das Diretrizes Curriculares do Estado e sequer pensaram no absurdo de conteúdos para poucas aulas.

 

Como trabalhar 31 conteúdos de Sociologia na 1ª série do Ensino Médio com apenas 12 aulas no 1º Trimestre? Como explicitar a Revolução Industrial e a Revolução Francesa em apenas 50 minutos de aula? Como articular o pensamento de Durkheim sobre as instituições sociais com os conceitos de função e coesão social? Como debater desigualdades Sociais no Brasil em apenas 01 aula? E, como compreender o complexo e dinâmico processo de formação e transformação da cultura? Tudo isso, sem mencionar a parte burocrática que deve ser cumprida dentro desse mesmo período de tempo.

Me respondam, caros leitores, por favor!

Me responda qual o seu posicionamento Sr. Secretário da Educação?

 

Eu lhes respondo.

 

Aumentar aulas de Língua Portuguesa e Matemática e, ainda, incluir 01 aula de Educação Financeira, não vai solucionar os problemas da educação. Se os professores de Matemática não conseguem ensinar a Educação Financeira ao longo de 07 anos de estudo, contando com 05 aulas semanais no Ensino Fundamental II e mais 03 aulas no Ensino Médio, qual será o papel e a finalidade dessa disciplina nas salas de aula?  O mesmo ocorre com a disciplina de Língua Portuguesa: muitas aulas e, mesmo assim, os estudantes não conseguem ler e interpretar um texto, por mais simples que seja.

 

Agora imaginem textos específicos de cada área – Arte, Filosofia e Sociologia – como ocorrerá essa leitura e interpretação, levando em consideração essa redução de aulas? Nada contra meus colegas dessas áreas, ao contrário, admiro essa luta e a demanda diária que eles têm nas salas, tentando ensinar pelo menos o básico aos nossos educandos com os poucos recursos a que têm disponíveis.

 

Mas se o Secretário quer resultados, como se a educação fosse uma empresa, ele está no lugar errado. E, se esses resultados externos e estatísticos não estão sendo condizentes com o esperado, deveria haver uma reestruturação de ensino, de currículo e estratégias metodológicas dessas disciplinas, e não a redução das outras para suprir algo que não trará resultados.

 

Senhor Secretário de Educação e Senhor Governador: não tirem o direito de nossos jovens e adolescentes de pensar por si mesmos. Não tirem de nossa juventude a capacidade crítica. Não tirem de nós, professores e alunos, a oportunidade de sermos a transformação social que, inevitavelmente, passa pela educação, pública, de qualidade e sem nenhum tipo de desmonte. Proporcionem aos alunos da rede pública estadual de educação do Paraná a mesma qualidade de educação que proporcionariam aos seus próprios filhos.

 

 

REFERÊNCIAS

Prof. Thiago José da Rocha, Professor de História e Sociologia da Rede Pública do Estado do Paraná.  Especialista em Metodologia do Ensino de Filosofia e Sociologia – Faculdade UNINA.

Especialista em Educação do Campo – UFPR. Mestre em Ciências Sociais – UEL. Cidade: Londrina / Ribeirão do Pinhal – PR

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