Juristas discordam de projeto que pretende reconhecer cristianismo como manifestação cultural
Manifestações ocorreram em audiência pública na Comissão de Educação e Cultura do Senado
Transformar o cristianismo em tradição cultural reduziria a importância histórica, social e jurídica da religião majoritária do Brasil. Essa foi a opinião unânime dos juristas e demais convidados para audiência pública da Comissão de Educação e Cultura do Senado, realizada nesta quinta-feira (21) para debater o Projeto de Lei nº 4.168/2021, que pretende reconhecer o cristianismo como manifestação cultural nacional.
Assista a um resumo do debate aqui.
A iniciativa do debate é da senadora Damares Alves (Republicanos-DF), que abriu os trabalhos com uma provocação aos convidados: trazer Jesus Cristo para o “guarda-chuva da cultura” não seria um reducionismo, uma vez que o igualaria a figuras folclóricas nacionais?
Para Ives Gandra da Silva Martins, advogado, escritor brasileiro, professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie e membro da Academia Brasileira de Filosofia, a importância do cristianismo na sociedade brasileira ultrapassa a importância cultural e teria, inclusive, influenciado no arcabouço jurídico nacional desde o preâmbulo da Constituição Federal de 1988.
“O cristianismo, em si, gerou manifestações culturais. Mas o cristianismo em si é muito mais. Lembro que nossa constituição foi promulgada sob um Deus. E, com todo o respeito, a nossa religião é a única que teve o próprio Deus como seu fundador”, afirmou.
Origem cristã
O PL é de autoria do deputado Vinicius Carvalho (Republicanos-SP). Ele pontuou na justificativa a necessidade de, sob a ótica da história, reconhecer o papel que teve o Cristianismo desde os primórdios da colonização brasileira. “Na verdade, nascemos sob a égide da civilização cristã ocidental, representada, de início, pela influência portuguesa”, afirma o parlamentar.
Entretando, para padre Luciano da Silva Roberto, assessor de Cultura e Educação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), afirmar que o cristianismo seria uma inversão dos fatos.
“O cristianismo moldou, junto com outras expressões religiosas e correntes filosóficas, a cultura nacional. Ele não é manifestação cultural, mas dela se manifesta na cultura nacional, dela se serve e nela se encarna”, explicou.
O pastor Douglas Batista, Presidente do Conselho de Educação e Cultura da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil – CGADB, também opinou pelo não acolhimento do texto original do projeto de lei.
“A cultura tem origem nos anseios humanos. A religião cristã tem uma referência divina. A ética e a moral na ótica humana cuidam do modo de vida das pessoas na perspectiva cultural. A religião cristã inclui o modo de vida, mas relacionado à vontade Divina prevista nas Escrituras”, opinou.
Emenda
Também discordante do texto apresentado, o senador Magno Malta (PL-ES) apresentou emenda ao texto original para sugerir que “as expressões artísticas cristãs e os reflexos e influências do cristianismo são, além de seus aspectos religiosos” fossem consideradas manifestações culturais nacionais.
Presidente da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), a advogada Edna V. Zilli opinou pelo acolhimento da nova redação e completou que, apesar de nobre a intenção do autor do projeto, de reconhecimento da importância do cristianismo, da forma como ele está deveria ser rejeitado.
“É sabido que a religião não é sinônimo de cultura, e nem pode por ela ser enclausurada ou reduzida. Ao conferir norte, significado e identidade a seus adeptos, a religião busca lograr harmonia com alguma origem última de toda a realidade, uma fonte mais do que humana do significado e valor presentes no Cosmos”, afirmou.
O presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR), Thiago Rafael Oliveira, considera que aprovar normativo que reduza a religião a uma manifestação cultural seria uma afronta à liberdade religiosa.
“O PL pode gerar efeitos opostos ao objetivo de qualquer laicidade, que é de não interferir na vida dos religiosos e nas religiões, garantindo a liberdade. Negar o status religioso do cristianismo em favor de reconhece-lo apenas como cultura pode distorcer a realidade e minar a importância histórica e social do cristianismo para 90% dos brasileiros e para o próprio Estado”, opinou.
Dados do IBGE
Segundo os dados do Censo do IBGE, de 2010, podemos afirmar que somos um “País Cristão”, pois cerca de 86,6% da população brasileira se declara seguidora do Cristianismo. Desse montante, 64,6% pertencem à Igreja Católica e 22,2% se dizem evangélicos.
Ainda segundo o estudo, o Espiritismo conta com 2% dos fiéis, seguidos da Umbanda e Candomblé com 0,3% da população de nosso país. Já 8% dos brasileiros se declaram “Sem Religião” e 2,7% foram enquadrados em “Outras Religiosidades”.