Análise sobre a Moeda Única no Mercosul
Por Pedro Carvalho de Mello
A possível criação de uma a moeda única do Mercosul, levantado durante a viagem do presidente Lula a Buenos Aires, essa semana, mostra claramente que é um tema muito importante para o destino econômico do Brasil.
Ao contrário da EU, a ideia da moeda única no Mercosul não é fazer com que os países membros do Mercosul deixem de usar suas próprias moedas – o real, o guarani e os pesos argentino e uruguaio – mas formatar uma moeda para as transações comerciais entre eles, sem depender do dólar, garantiu o embaixador da Argentina, na semana da posse do presidente Lula.
Apesar das ressalvas, percebe-se que a referência é a criação da moeda nos moldes do Euro na União Europeia. O professor de economia da Strong Business School, Pedro Carvalho de Mello estudou o assunto e faz uma análise sobre o tema comparando a experiência da criação do EURO, pela União Europeia.
Para o professor Mello “É preciso muito cuidado com essa comparação. Nada mais longe da verdade comparar os dois casos”. A criação do Euro decorreu de um longo processo, bem específico das condições históricas, econômicas, sociais e institucionais do Continente Europeu.
O caso da União Europeia
A moderna União Europeia resulta de duas belíssimas arquiteturas institucionais: a formação da união de 27 países europeus e a posterior criação da moeda única. O Euro foi a primeira moeda do mundo a ser emitida por uma união de países (e não um país soberano) e sem ter lastro em ouro ou outro objeto de valor. Essas duas arquiteturas foram construídas com fundamentos e alicerces baseados na confiança e credibilidade (“trust”).
Em 2020, a UE contava com 447 milhões de habitantes e USD 20,0 trilhões de PIB. É a experiência mais importante da história para reunir países diferentes sob uma nova entidade, e isso de forma pacífica, democrática, transparente e com grandes debates entre os habitantes dos países envolvidos e com grandes discussões, negociações e acordos entre os países da união.
Forças da Geografia Econômica
Existe um tema que é o “pano de fundo” para a análise de uma moeda única entre países. É um assunto “carregado” de história e simbolismo, e entra em pauta quando existe justaposição de fronteiras geográficas, étnicas e culturais na raiz da formação de países e de sua sustentabilidade econômica e política.
Quando se examina o Mercosul, no atual contexto de seus países vemos que existem forças de desintegração e de integração presentes ao mesmo tempo. Com efeito o benefício do tamanho do mercado depende do regime de comércio: países pequenos são viáveis em regimes de livre comércio, enquanto países grandes podem seguir políticas protecionistas e erguer barreiras tarifárias. A arquitetura institucional montada na integração europeia foi uma maneira criativa de obter ganhos de escala e, ao mesmo tempo, preservar a individualidade de países.
Integração Econômica dos Países
A questão da integração econômica está muito associada à questão da integração regional que enfatiza os aspectos espaciais e é mais sensível a questões políticas, culturais, históricas e de ideologias nacionalistas.
Os principais aspectos econômicos a serem examinados pelo país que contempla se unir a outros num arranjo institucional são os seguintes:
· Medir os ganhos de eficiência na produção alcançados pela crescente especialização.
· Um aumento na produtividade e nos níveis de produção
· Um poder maior de barganha no fórum internacional de comércio.
· Exposição à um ambiente de maior competição.
· Possibilidade de maiores avanços na área tecnológica.
No caso de um grau elevado de integração, pode-se obter maior mobilidade de fatores dentro da região integrada; melhor coordenação de políticas econômicas; adotar estratégia de crescimento econômico para a região como um todo, procurando estimular o pleno emprego em conjugação com uma distribuição equilibrada de renda e empregos.
A moderna União Europeia evoluiu e fortaleceu cada vez mais sua integração, começando por arranjos institucionais fracos, que foram se fortalecendo com o tempo em prol de maior integração. Foi um processo diferente da criação do Mercosul, em que já se começou com uma forte integração (o mercado comum).
De uma maneira bem simples, a integração econômica internacional se dá quando um grupo de países decide formar uma espécie de clube. Quem não é sócio não entra. Os diferentes países se amalgamam nesse clube para se beneficiar do comércio entre si.
Nesse processo, existem diferentes graus de integração, dos mais fracos até os mais fortes. No caso europeu, o estágio atual de “União Europeia” reflete o tipo mais forte de integração econômica, o de União econômica com criação de moeda comum. O “Mercosul” está dois estágios abaixo da “União Europeia” em termos do grau de integração econômica, o de mercado comum.
Existem problemas práticos e crescentes para se integrar mercados, à medida que se avança para alcançar maiores graus de integração econômica. criar um mercado único. As nações não são como regiões ou famílias, pois elas têm soberania. No mundo atual, o poder soberano significa que nenhuma nação está subordinada a alguma força global isso, evidentemente, em condições normais de paz e de respeito mútuo aos direitos dos países. Sendo soberanas, as nações podem impor barreiras e restrições entre seus membros e o mundo exterior.
Os cuidados da União Europeia para mitigar diferenças de renda e desenvolvimento dos países-membros
No planejamento, formação e consolidação da União Europeia houve extremo cuidado para mitigar desequilíbrios de renda e riqueza dos países. Quando começaram as iniciativas que resultaram na criação da União Europeia, os países pioneiros, que formaram o “núcleo duro” da EU, já eram países ricos e desenvolvidos (Alemanha, França, Itália e países do Norte Europeu).
Á medida que foi sendo ampliado o número de países-membro, surgiram medidas práticas de financiamento e subsídios para equacionar esse plano informal de desenvolvimento. Uma das ações notáveis foi estimular o investimento em infraestrutura e reforço nas instituições locais.
No caso do Mercosul, ainda no estágio de “mercado comum”, os esforços são para aumentar a eficiência dos arranjos comerciais. O fato evidente que Uruguai e Paraguai são “países pequenos” e Argentina e Brasil “países bem maiores” não impediu a atuação do Mercosul.
Caso se prossiga para a criação de uma “União Econômica”, e o upgrade de “União Econômica com criação de Moeda Comum”, vão surgir, e com força, as questões de distribuição de renda entre os países. As diferenças de organização institucional consolidada dos quatro países do Mercosul são significativas, e serão necessários inúmeros ajustes. Nesse caso, serão questões de cunho econômico, social e político.
Criação de Moedas Únicas
A criação da moeda Euro, em 1999, foi um grande feito. Foi a primeira moeda do mundo a ser emitida por uma união (que não um país soberano) e sem lastro em ouro ou outro objeto de valor que a sustentasse. Foi uma arquitetura institucional construída com fundamentos e alicerces na confiança mútua entre os países-membros e na credibilidade do resto do mundo.
O Euro marca um importante ponto de ruptura na história da moeda. Desde que a moeda foi inventada, há mais de 4.000 anos, para facilitar trocas, – servindo como meio de pagamentos, como unidade de contas e reserva de valor – ela foi sempre ligada a uma nação, um governante ou um estado.
O Euro é emitido por uma união de países, e não por um país em particular. Ademais, não é lastreado em ouro ou em outros ativos tangíveis, ou moedas fortes. É um produto da total confiança e credibilidade que os países que o adotaram têm entre si. A gestação da ideia, até culminar na sua implantação levou muito tempo.
A concepção de uma moeda única já existe há vários séculos. O ouro e a prata, de certa maneira, cumpriram esse papel. Moeda, poder e política sempre caminharam juntos. Moeda representa poder de compra, o que, por sua vez, pode financiar forças militares e permitir aumento ou consolidação de soberania.
A integração monetária requer uma completa e irrevogável fixação das taxas de câmbio entre os países, assim como uma mobilidade completa de capital entre os países-membro;
O grau de desejo por uma única moeda também depende da efetividade dos outros meios possíveis de ajuste. Quanto mais flexíveis forem os preços e quanto maior for a mobilidade dos recursos e fatores de produção, menor a necessidade de ajustes nas taxas de câmbio, portanto, serão maiores os benefícios líquidos de uma moeda única. Caso o PIB das duas áreas mostre diferentes padrões de flutuação, um sistema fiscal comum ajuda a lidar com as mudanças resultantes nas rendas relativas. Daí a razão para alguns economistas acreditarem que uma moeda comum requer um sistema fiscal comum.
Numa economia aberta existe um problema adicional de desequilíbrios externos. Desse modo, para casar um fluxo errático de receitas com um fluxo mais regular de despesas, geralmente, os países acabam se endividando. Some-se a isso que esses países estão carentes de poupança doméstica diante dos investimentos planejados e utilizam poupança externa.
A principal questão é saber, do ponto de vista conceitual econômico, se uma moeda única é viável no Mercosul.
O problema é que as perfeitas condições para uma área monetária ótima não existiam quando o Euro foi criado. O Euro foi criado dentro de um projeto político para a Europa;
A lição final sobre a criação do Euro é que os benefícios líquidos do Euro (em que os fatores políticos e econômicos, em termos de custos e benefícios, são implicitamente calculados e um saldo final alcançado) foram positivos e relevantes. Por outro lado, uma possível desintegração da zona do euro representaria um custo financeiro, econômico, político e mesmo emocional extremamente alto.
Pode-se concluir que a criação de uma moeda única no Mercosul exigiria profundas medidas institucionais e econômicas. E, caso fosse feita, traria um altíssimo custo para uma alternativa de distrato da sua criação.
Pedro Carvalho de Mello (foto) é Ph.D. em economia pela Universidade de Chicago. Autor de diversas publicações na área de finanças, mercado de capitais, mercado imobiliário, seguros, e economia brasileira. È professor e diretor do setor e pesquisas da Strong Business School