A carioca Flavia Leal imigrou do Rio de Janeiro para Boston, há 20 anos, e construiu um grupo de empresas que promovem a profissionalização e a cidadania de brasileiros que vivem fora do Brasil 

Carioca de Belford Roxo, município da Baixada Fluminense, Flavia Leal explorou o mundo da beleza e da estética para mudar seu destino e o de inúmeras outras brasileiras que buscam independência financeira e felicidade apostando no sonho americano. De origem humilde, Flavia cresceu em uma família em que a violência doméstica, o alcoolismo e a pobreza castigavam o corpo e o espírito. Mas em 2000  desembarcou em Boston, no estado americano de Massachusetts, com apenas 19 anos de idade, e começou a reescrever uma história que hoje é marca de sucesso.

O Grupo Flavia Leal Beauty School tem três escolas profissionalizantes na área de beleza e estética, uma quarta em processo de abertura, uma linha própria de cosméticos e uma fábrica de uniformes. Nesse ano, o faturamento deve ser de US $1,6 milhão.

Muito mais do que vencer as próprias limitações e obter sucesso como empresária, a menina de Belford Roxo foi exemplo e alicerce para que outras brasileiras superassem o drama da imigrante despatriada. Diplomas da escola de beleza fizeram a independência das alunas, rompendo ciclos de violência física, sexual e emocional.

“Eu sentia que aquele não era o meu lugar. Queria mais e sonhava em tirar a minha mãe e minha irmã daquela situação. Fui em busca dos meus sonhos e encontrei nos Estados Unidos uma oportunidade de recomeçar. Por isso, hoje ajudo outras mulheres que buscam a emancipação a partir da profissionalização para atuarem no ramo da beleza.”

Flavia virou referência no cenário internacional de beleza. Como convidada especial, manteve durante vários anos um quadro sobre maquiagem no programa de tevê Chrissy B Show, em Londres, do outro lado do Atlântico.  Desde então, recebeu vários prêmios como empreendedora e, em 2022,  foi homenageada em Paris, com o Portuguese Brazilian Awards, dedicado a reconhecer empresários que de alguma forma melhoraram a vida dos brasileiros no exterior. Além de comandar seus negócios, a empresária leva conhecimento e experiência com a realização de cursos pelo mundo, com passagens de sucesso pela Inglaterra, França e Áustria.

“No Brasil, eu era o patinho feio de todo lugar. Morava em um local muito pobre, mas não era pobre dentro de mim, era uma menina cheia de sonhos. Não me encaixava naquela vida. Era tímida, insegura e sofria bullying. Cheguei nos Estados Unidos com a bagagem cheia de sonhos.

Conquistei respeito, independência e reconhecimento a partir do meu trabalho e do desejo de inspirar outras mulheres.”

Mas essa trajetória não foi fácil. Logo que chegou nos Estados Unidos, Flavia descobriu que estava grávida e teve uma gestação complicada, acompanhada de depressão. Com o apoio do marido, conseguiu seguir adiante e ainda levar a mãe e a irmã para morar com ela. “Nessa época meu pai não estava mais em casa, acabou se envolvendo com quem não devia e precisou sair do estado por conta da agressividade dele. Minha irmã foi para a high school e minha mãe me ajudava com minha filha.”

Em seguida vieram o divórcio e o atentado de 11 de Setembro. A tragédia que assolou Nova York causou reflexos em todo o país e os imigrantes passaram a ser perseguidos. “Muitos brasileiros deixaram os Estados Unidos nesse período, mas eu decidi ficar. Tinha ao meu lado a minha mãe, que sempre foi minha melhor amiga. Desde muito pequena lutei por ela, que não se defendia do meu pai. Eu estava realizada por poder proporcionar a ela a tranquilidade que nunca teve. Pela primeira vez senti que tínhamos uma vida normal.”

Mais tarde casada novamente e grávida da segunda filha, enfrentou mais uma vez a depressão e decidiu passar um tempo no Brasil, quando se reaproximou do pai. “Apesar dos vícios e da agressividade, ele era um empreendedor. Decidi dar uma oportunidade a ele também e investi meu dinheiro em um restaurante para ele tocar no litoral do Espírito Santo, além de uma casa  para morar.”

De volta aos EUA, logo após o parto da segunda filha,  descobriu que a mãe tinha um câncer no pâncreas. Durante o tratamento da mãe, recebeu a notícia de que o pai havia morrido no Brasil. Com a doença da mãe, não conseguiu voltar ao Brasil e acabou perdendo o dinheiro investido. “Sem poder trabalhar, cuidando da minha mãe e das minhas filhas, enfrentei graves problemas financeiros. Foi uma época horrível. Sempre sonhei em vestir uma beca e minha mãe morreu nos meus braços na noite anterior à minha formatura. Foram só 11 meses entre o dia em que descobrimos o câncer e a morte dela. Eu fui internada extremamente depressiva e não fui à formatura de Estética. Somado a isso vivia um casamento infeliz. Mais uma vez decidi sacudir a poeira, me separei e fui me reinventar”, conta Flavia.

Alugou a parte de cima da casa em Boston e foi morar com as filhas no porão. Devendo cartões, carro e prestação da casa. Começou a maquiar e a ensinar outras pessoas a fazer maquiagem. Voltou a estudar e com a ajuda de um advogado interrompeu o leilão da sua casa. Começou então uma operação de falência pessoal – que é um processo de reorganização financeira comum nos EUA – e isso foi fundamental para que mais uma vez pudesse recomeçar.

Quando  obteve  licença para trabalhar como esteticista em solo americano, Flavia se deparou com a realidade que afligia muitos outros brasileiros, com desejos semelhantes aos seus. Em geral, eles  não eram bem recebidos ou eram até rejeitados pelas escolas americanas de beleza. “Eu queria ajudar essas pessoas e dar a oportunidade para que tivessem uma profissão real nos Estados Unidos. Então decidi abrir a minha primeira escola em 2010. Na época, eu não tinha nada. Comecei com uma mesa, um telefone e muita força de vontade.”

A caminhada deu frutos. Em 12 anos, a salinha virou o Grupo Flavia Leal Beauty School, com quatro escolas profissionalizantes. São três no estado de Massachusetts e uma na Flórida. Com professores brasileiros e aulas em português, as escolas já certificaram 15 mil profissionais. Só no ano passado, as escolas faturaram 1,3 milhão de dólares. Ainda esse ano, o grupo vai abrir mais uma unidade na cidade de Framingham, também em Massachusetts.

As empresas do grupo Flavia Leal não viraram apenas referência no mercado de beleza nos Estados Unidos, como também uma porta de entrada para tantos brasileiros que sonham com a vida na terra do Tio Sam.

Em Massachusetts, as escolas comandadas por Flavia estão licenciadas para emitir o formulário I-20, que permite que os alunos façam cursos profissionalizantes, tirem a licença profissional e apliquem para o visto de trabalho, podendo viver legalmente como trabalhadores no país.

“A principal vantagem é que oferecemos cursos bastante práticos, que permitem que os nossos estudantes ingressem no mercado de trabalho. Eles não vêm apenas para estudar, mas para se tornarem profissionais de estética, cabeleireiros e manicures. E acima de tudo para se tornarem cidadãos, donos de seu destino, capazes de viver com dignidade e projetar o próprio futuro.” Essa emancipação por meio do mercado da beleza tem sido responsável por resgatar muitas mulheres de ambientes domésticos miseráveis e violentos.

As histórias acumuladas por Flavia estão reunidas em um livro que ela deve lançar nos próximos meses. Em centenas de horas de entrevistas, mulheres que ela conheceu ao longo de 20 anos contam como foi emergir do inferno graças a uma profissão que resgata não apenas a beleza física, mas a beleza da alma e a fé na vida. Mas essa é outra história, que será contada em breve.

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